30.6.14

Diário de Bordos - S. Luis, Maranhão, Brasil, 28 a 30-06-2014

As festas juaninas, que estão para S. Luís como as de Sto. António para Lisboa acabaram, finalmente.

Finalmente. As roupas dos Bois (o nome das bandas que tocam no Bumba-meu-boi, ou aqui) são lindas; mas a música é um horror. É só percussões e voz, mas a quem tenha ouvido as steel band das Caraíbas as músicas aparecem primárias, primitivas, básicas.

Que saudades da steel band  que ouvi em Bequia uma das vezes que lá passei, subtil, fina, encantadora.

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No Brasil aprendo a relativizar os meus problemas com Portugal. Na verdade, bastar-me-ia gostar um bocadinho menos do país e estaria lá no paraíso.

Bastar-me-á e estarei.

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O Reviver está vazio. Tudo fechado. No Mercado as poucas tascas abertas têm poucos clientes ou funcionários e todso estão agarrados aos televisores como náufragos a um salva-vidas. O jogo está empatado. Se o Brasil estiver como o Reviver o Brasil está imobilizado. A tensão nas ruas desertas é tal que parece ser necessário ums catana na mão para avançar.

Agora devem estar nos pénaltis, a julgar pelo ritmo das exclamações de alegria.

Não percebo como se pode depositar o orgulho nacional num jogo de futebol, mas respeito; por conseguinte morro de fome. Não tenho coragem para pedir seja a quem for que me dê de comer (apesar de a tia Rosa insistir. Recuso). Seria uma falta de respeito, de empatia, educação, tacto, jeito, sensibilidade. Seria torturar a empregada da senhora só porque estou com fome.

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As pessoas são pobres e nem sempre é culpa dos outros; pode discutir-se a dimensão do nem sempre, mas isso fica para depois. Agora interessa-me uma história que se passou ontem e ajuda a perceber porque são muitos brasileiros pobres e porque estou tão farto de países do terceiro mundo.

Uma rapariga que não ganha mil reais por mês pede-me cinquenta para lavar meia dúzia de peças de roupa. Aborreço-me, claro. Normalmente pago entre quatorze (Panamá) e vinte e cinco (Antigua); porquê cinquenta aqui?

A culpa é minha: como estava de saída não sei para onde e não havia ninguém na pousada que me pudesse dizer quanto ia custar e porque porque porque (resumindo: não planeei com antecedência) não combinei o preço antes.

Tento explicar-lhe que cinquenta reais é de mais, coisa em que ela não acredita: Para si não é nada, diz-me. É, Regiane, é. E pergunto-lhe: que prefere você? Ganhar cinquenta reais agora e nunca mais ganhar um centavo meu, ou fazer-me um preço correcto e ganhar cem reais por mês? Regiane prefere os cinquenta agora.

Do ponto de vista dela faz sentido. Mais vale cinquenta na mão agora do que cem depois. E o seu objectivo não é visivelmente lavar roupa ou trabalhar numa Pousada o resto da sua vida.

Eu enfureço-me, mas comigo. Regiane não é burra. Burro fui eu, que não planeei as coisas a tempo. E aqui no Brasil - como em todo o lado - a falta de planeamento paga-se.

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