De forma geral suporto bem a solidão, seja ela imposta ou escolhida. Dou-me bem comigo e com o mundo. Os únicos momentos em que o prazer de estar sozinho é posto à prova é quando estou doente, ou a sofrer fisicamente.
Não é frequente, mas acontece. A primeira vez que tive uma pedra nos rins (não estava nos rins, mas isso não interessa) as dores foram tão avassaladoras que resolvi ir ao hospital. Era domingo. O único hospital que conhecia em Lisboa, para além claro do Sta. Maria, que desde miúdo me aterroriza era o Curry Cabral e foi portanto para este que fui.
As urgências não tinham urologia, ou coisa que o valha, e sugeriram-me S. José, um hospital grande, antigo, vetusto, imponente. Sentia-me como numa das prisões de Piranesi, esmagado pela dor e pela espera.
Doutra vez parti (eu penso que não, mas isso agora é irrelevante) uma costela. Não estava sozinho, mas é como se estivesse: dois homens num quarenta e três pés à bolina com sete, oito e nove Beaufort durante quatro dias não têm muito tempo nem disponibilidade para tratar um do outro.
Metia Ibuprofenos à mão-cheia e ia fazer os meus quartos. Governava à mão quando via que era preciso ou melhor, rizava, verificava as peias das coisas que tínhamos no convés e passava torturas para me despir ou vestir. Metia os comprimidos antes de dormir e quando, duas horas depois, acordava. Íamos para as Canárias e mal chegámos desembarquei (como estava previsto) e voltei para Lisboa. Poucos dias depois as dores passaram.
Em Maputo tive a mais longa e a pior de todas as crises de Meunière. Três dias de cama, incapaz de abrir sequer os olhos. Não há grande coisa a fazer durante uma crise de Meunière se não esperar que ela passe, mas normalmente duravam três horas, não três dias (tive outra, a última até agora em Palma, mas não estava sozinho e por isso não conta).
Já passei por muitas crises sozinho. A cada uma faço o mesmo: sinto-me miserável, aguento e espero que passe.
Agora vem aí uma, de pedra. Há muito tempo que não tinha pedras, tanto que levei umas horas a identificar os sintomas e a fazer o diagnóstico.
Eu sei que não tenho tido muito cuidado com o meu corpo, e que me aproveito de ele não ser muito vingativo. Não me pede muita atenção e eu não lha dou, digamos (excepto com esta novidade do açúcar, mas como não sou muito dado a novidades desligo e acabou-se o açúcar).
O que aí vem não é uma vingança. É mais uma lembrançazita, um pequeno toque para que eu não me esqueça dele. Estou pronto para a receber. Não me importo sequer que seja violenta, como parece que vai ser. Só espero que seja breve.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.