Tudo começou com uma folha. Caíu de uma árvore. As opiniões dividiram-se imediatamente: teria sido a folha que traíu a árvore ou esta que não lhe foi fiel? A árvore tinha milhares de folhas; a folha uma só árvore.
A polémica prosseguiu, feliz. Ninguém prestou atenção a algo que entretanto aconteceu: a folha foi comida por um gato que a confundiu com um pássaro em miniatura.
Nada aconteceu ao gato, é preciso dizer já: fez um salto lindo, felino, desses a que as miúdas sensíveis atribuem dons fora do comum e fotografam para o Facebook.
Comeu a folha, não gostou, caíu de pé. Os gatos caem de pé. Achou que não valia a pena vomitar por tão pouco e foi à vida.
A vida dos gatos é um coisa misteriosa, dizem as miúdas. A mim parece simples: dormem e deixam-se fotografar. Mas isso sou eu, que só medianamente gosto de gatos, muito superficialmente.
Quem gosta deles vê neles mistérios insondáveis, inigualáveis sabedorias, olhares profundos, sensualidades infinitas.
Não vejo nada disso. Vejo um animal que dorme tudo o que pode e por vezes se engana. Menos do que eu, verdade seja dita.
Enfim. Seja como for. O gato enganou-se, comeu a folha e nada mudou no universo excepto a polémica que entretanto se instalou: qual, da folha ou da árvore seria culpada? A cidade inflamava-se com esta questão. A cidade inflama-se facilmente, é preciso reconhecer. Os argumentos jorram como mísseis.
Amizades desfaziam-se. A folha traíu a árvore. A árvore tinha milhares de outras folhas. Aquilo não era amor. A árvore amava aquela folha. A árvore não amava só aquela folha. A árvore devia crescer e deiar de pensar na folha.
A folha... A árvore... A folha... A árvore...
O facto de que a folha já não existia passou despercebido a toda a gente.
Menos a Alda, claro.
Era uma mulher grande, quase feia, mais atraente do que a maioria das mulheres quase bonitas que já conheci. Viam-na como insensível, assexuada e feia.
Não era nada disso. Era sensível - "mas não frágil" - sensual e céptica, o oposto de cínica. Os homens tinham medo dela. Eu não, porque não sou um homem. Sou um gato que come folhas pensando que são pássaros em miniatura.
Alda era grande, já aqui o disse. Fodia maravilhosamente com o homem certo e mal com o incerto. (Isto disse-mo ela. Não sei. Se for verdade eu era o homem certo e não um gato).
Não sou um homem. Na verdade deixava-me foder. Ela punha-se por cima de mim sentada como num daqueles bancos nórdicos nos quais nos ajoelhamos e pronto. A foda era dela. Não minha. Eu não fazia mais nada.
Foder sem pensar é bom desde que se tenha pensado antes e se pense depois. Se não, é como comer uma folha de árvore pensando que é um pássaro em miniatura.
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