O motor de arranque chegou com dois dias de atraso, só. O motor arrancou à primeira; não foi preciso mudar ou limpar filtros. A caixa funcionou - mal, mas funcionou -; o T. L. libertou-me mais cedo do que eu esperava.
Amanhã parto de Galveston. Poucas saudades levarei comigo: uma bicicleta de titânio e carbono que não só me fazia lamentar chegar aos destinos mas também, bastas vezes, me fez passá-los. Uma barmaid que desconhece Alexanders, Talisker e provavelmente outras coisas que não perguntei mas é linda de se morrer especado à frente dela. E - sobretudo - uma embarcação sublime cujos armadores pensam que eu estive a preparar para ser vendida mas na verdade estive a preparar para morrer (tentei fazê-la digna, pelo menos: vai limpa como nunca esteve e com uma série de sistemas a funcionar).
É um barco lindo de se viver por ele. Vai ficar na água uma eternidade, finda a qual - todas as eternidades têm um fim - os armadores vão pensar que tê-lo em terra é mais barato. Ali vai ficar a apodrecer até que um atrasado mental ou um marinheiro (não é um pleonasmo, embora pareça) veja nele um bom negócio (no primeiro caso) ou uma coisa linda, linda, linda (no segundo, e é qu oe impede o pleonasmo).
Aí será comprada por uma ninharia e maltratada, por uma fortuna.
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Não vou para onde queria. Vou para onde posso. Quero mudar de vida, mas a vida não quer que eu a mude. Ao contrário das mulheres e do dinheiro o mar pega-se a mim como se, sem ele, eu não respirasse ou transpirasse. Ou pensasse. Ou vivesse.
Amanhã à noite estarei em St. Martin.
Devo dizer que a perspectiva de mudar de vida depois de uma época nas Caraíbas não me desagrada inteiramente. Nestes últimos dois anos fiz duas viagens: uma travessia do Atlântico problemática e uma viagem de San Francisco a Panamá que serviu para compensar, ab ante, tudo o que seguiria.
Não chega. Preciso de acordar por baixo dos Deux Pitons, beber runs no meu amigo Lúcifer em Bequia, comer as accras do Comme à la Maison e o boudin créole do vizinho na Martinique, o philly steak da Sandra em Antigua, mergulhar nas Tobago Cays, fumar charros em Union Island na tasca do meu amigo rasta, beber rum punch no Robert em Mayreau ou no Mad Mongoose em Falmouth Harbour.
Preciso, enfim, de recompor o passado, antes de começar um futuro.
Um verso de Brel que li recentemente: "Il nous fallut bien du talent pour être vieux sans être adultes".
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Último jantar em Galveston. Vim ao Stuttgarten. Amanhã à noite estarei no Arawak a beber um ti' punch e pensarei que o mundo é sempre "mais pequeno do que o viajante que nele viaja".
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Amanhã esperam-me três horas no aeroporto de Miami. Ainda haverá o café mexicano? Ainda terá as margaritas gigantes?
Porque é que o meu mundo é tão pequeno?
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Há uma série de coisas que não fiz em Galveston: não andei na montanha russa (tem um loop); não visitei o submarino do museu naval e não comi um bom chilli. Preciso de razões mais fortes para cá voltar.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.