- Só consigo apaixonar-me por uma mulher que me obrigue a escrever - Jim fez uma pausa, sorveu o whisky como se aquilo o enjoasse (aquilo podendo ser o whisky ou o que acabara de dizer) e olhou para mim. Parecia que se perguntava de onde me conhecia. - Não! Por uma que me faça escarrar as palavras, cuspi-las, que mas arranque como dentes, sem anestesia.
Jim é meu tripulante há dois anos. É um escocês alto, ruivo e atormentado. Nunca o vi bêbedo no mar nem sóbrio em terra. A miúda a quem ele se referia é uma italiana bonita, professora de literatura inglesa na universidade local. Encontrámo-la anteontem num concerto ao ar livre, uma dessas organizações nas quais as câmaras municipais gastam dinheiro que não têm para fazer os munícipes esquecer a maneira como o dinheiro deles é dilapidado (isto dito o concerto foi óptimo, música clássica árabe tocada por um grupo grande de músicos, todos eles bons).
Estava ao pé de nós; Jim convidou-a para beber um copo quando aquilo acabou. Anuíu. Fomos a um bar ali ao lado, um antigo clube desportivo que agora compõe a vasta panóplia de bares da praça, recentemente reabilitada.
Nunca nestes dois anos vi Jim envolver-se afectivamente com quem quer que seja. Normalmente arranja uma mulher que leva para bordo e fode vigorosa e competentemente (há coisas que num monocasco de cinquenta pés não se podem ignorar). No dia da largada, quando começa o processo de desengrossamento já esqueceu o nome da senhora.
- Percebes? - O monólogo continua. - Cada vez me chateia mais ir para a cama com uma mulher só por ir.
- A sério? Não se nota, Jim - o sarcasmo passa-lhe ao lado. Fala consigo próprio, como se escolhesse os dentes que amanhã vai pôr no papel.
- Não são os olhos. Não são os lábios - faz uma pausa. - Não são as mamas. Quero dizer, não são as mamas - (Paola tinha um belíssimo conjunto delas. Percebi claramente a hesitação de Jim). - É tudo. Tudo. A pele.
Jim escreve bem. Já por mais de uma vez tive de lhe dizer que o Livro de Bordo não é o suporte adequado para escrita criativa e implorar-lhe que escreva num caderno que deixo ao lado com esse fim. Escreve claramente, tanto descreve as pessoas que encontramos como um amanhecer no mar de uma forma límpida, escorreita, sem floreados. Nunca me pareceu que precisasse de alguém para o forçar a escrever.
Ontem perguntou-me se podia convidar Paola para jantar. Disse-lhe que sim, desde que não fizesse haggis (é inútil. Gosta tão pouco daquilo como eu). Não bebeu uma gota de álcool o dia todo. O jantar correu bem. Fez um lombo de porco com tapenade, um dos meus pratos favoritos. Bebeu pouco. Paola é uma companhia adorável, Sabe conversar; quando não está de acordo com qualquer coisa mantém o seu ponto de vista e defende-o com firmeza mas sem agressividade. É bonita. Veste-se bem, com gosto e sem ostentação.
Percebi que em breve terei de começar a procurar outro tripulante e vim dormir para um hotel. Convivo bem com o barulho do sexo, mas não suporto o do amor.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.