20.12.15

Nem mais nem menos

Há alguns anos cheguei a St. Maarten no dia dois de Outubro. Tinha cinquenta euros no bolso e não estava muito preocupado porque pensava encontrar trabalho no dia seguinte.

St. Maarten e a gémea  siamesa,  St. Martin estavam vazias. Nem um barco, para além dos locais. Nada. Zero.

Telefonei a um amigo que aqui vive há muitos anos. Convidou-me para almoçar e durante o almoço contei-lhe a minha história.

J. ficou horrorizado. Cinquenta euros em St. Martin chegam para um dia e é preciso ser poupado e não muito exigente. Tirou uma nota de quinhentos euros da carteira e deu-ma, para que eu "não andasse por aí sem dinheiro". Depois pensou um bocado e encontrou a solução. "Sabes mudar machos de fundo?" "Sei". "Então vais para Antigua mudar os do C." Quando acabarmos de almoçar vamos tratar do bilhete.

Fomos. Depois da agência de viagens  (J. gosta de interagir com pessoas mais do que com máquinas, característica que eu partilho) páramos no banco. Deu-me não me lembro se dois mil e quinhentos se três mil e quinhentos dólares e nessa tarde apanhei o avião para Antigua com um conjunto de instruções muito simples: "o C. está na marina tal, em seco. Quando lá chegares falas com fulano, sicrano e beltrano. Eu já lhes terei telefonado. Tens de mudar todos os machos de fundo e o dinheiro que sobrar é para ti".

Sobrou muito e passei um ano a dizer-lho. Nem nunca sequer me mandou calar.

No ano passado cheguei de novo a St. Maarten com pouco dinheiro. Mas era Dezembro e encontrei trabalho rapidamente. Por razões legais (e outras, mas essas não interessam) passei um mês e tal a trabalhar sem receber um tusto. Sobrevivi porque tinha crédito na crew house onde me hospedava, no café de uma senhora portuguesa onde almoçava e no Lagoonies onde bebia rum punch e por vezes jantava.

Ao contrário de J. nenhum dos proprietários ou gerentes dessas três casas me conhecia. Confiaram em mim, simplesmente.

Hoje é tempo de pagar outra vez, de outra forma. Quando J. veio ter comigo a perguntar se tinha trabalho para ela reconheci-lhe a urgência na voz. Depois disse-me que estava na Little  Crew House mas tinha pouco dinheiro,  etc. e reconheci o filme. Já ali tinha estado.

Disse-lhe que podia vir para bordo contra um pouco de trabalho. Ela ajuda mais do que eu esperava e em contrapartida pago-lhe a comida. Depois arranjei-lhe uns dia de trabalho na empresa de charter para a qual trabalhei e tanto tempo tempo leva a pagar.

Hoje adiantei-lhe uma grande parte do que vai receber pelo seu primeiro dia, "para não andar por aí sem dinheiro" (está muito longe dos quinhentos euros do J., mas a ideia é a mesma).

Não conto esta história para me vangloriar - se ligasse muito ao que pensam de mim não viveria como vivo -; para me dar a conhecer - há duas ou três pessoas que me conhecem e esse número chega-me -; nem por razão nenhuma em especial se não defender o meu conceito de ética. Que é simples, primário a raiar o básico: faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti. Ou já fizeram.

Nem mais nem menos.

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