4.3.16

Profundidade, racionalidade

- É preciso olhar para as coisas com profundidade e racionalidade", disse Watts. Estávamos num bar de putas em Gibraltar, um primeiro andar onde há muitos anos ouvi pela primeira vez Steeleye Span e aprendi a equilibrar copos pelo lado errado.
- Não. A profundidade é devastadora para a racionalidade, Watts. Só o sentimento é profundo. A racionalidade espalha-se. O sentimento mergulha.
- Tolice - respondeu. - O sentimento está para a razão como a punheta para uma foda.

Um das putas que estava connosco abanou a cabeça. "Porra! Só a mim é que me calha disto". As putas percebem bastante de amor porque o sabem diferenciar do sexo e nunca se casam. O bar era escuro e grande. Cheirava a cerveja, esperma, suor e calor. Nunca o vi com menos de duzentas pessoas, se é que um soldado bêbedo ou em vias de o estar conta como pessoa. Para mim sim. Havia pelo menos duzentos deles.

Watts é um revoltado. Não me admira: a racionalidade leva à revolta. "É preciso imaginar Sísifo feliz e livre", disse Camus nessa obra sublime e primordial que é o Mito de Sísifo. Só um sentimental percebe isto sem se revoltar.

Provavelmente. Mas pelos outros não falo. Já por mim é penoso que chegue.

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