2.7.16

Os gemidos da galinha Tadinha

A galinha Tadinha cagava e chorava ao mesmo tempo. Acontecia-lhe o mesmo cada vez que tinha de pôr um ovo: saiam merda e lágrimas, mas oval nada. Era uma galinha triste, a Tadinha. Nascera sem penas, coisa hereditária. Mesmo assim recusava-se a atribuir a razão aos pais, avós e seguinte ascendência. Esmagada pelo peso da culpa, cagava-se enquanto se esforçava por conter as lágrimas. Ou inversamente: chorava quando se esforçava por conter a merda.

Não tinha amigas, mas tinha galos. Muitos: os galos tarados todos da capoeira. Não lhe escapava um. "Os outros não me interessam. Um galo normal é a coisa mais aborrecida do universo". As outras riam-se dela. Cacarejavam e punham ovos em grupo, comiam ao mesmo tempo. Só se escondiam para cagar e chorar, coisa que a nossa fazia publicamente. "Prefiro esconder-me para rir", pensava. "O meu riso não é inocente".  Quando um galo lhe batia à porta ela aceitava-o imediatamente. "Tenho mais galos num dia do que as outras numa vida".

Tadinha não falava com ninguém, nem quando pensava. A sua vida era um longo solilóquio apenas interrompido pelos longos suspiros de prazer quando tinha galo. E se suspirava, Tadinha. Por estratégia, verdade seja dita: não queria que o mesmo galo lhe batesse à porta duas vezes seguidas e suspirar é mais eficaz do que gemer.

Pelo menos no que ao prazer diz respeito, claro.

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