Tenho pensado nisto muitas vezes e há muitos anos, mas só hoje sinto que dei um passo em direcção à resposta.
Cheguei a Lisboa em Outubro de setenta e quatro e pouco tempo depois - digamos um ano - tinha um grupo de amigos cujas opiniões políticas iam da extrema-esquerda à extrema-direita. Encontrávamo-nos regular, frequentemente. Para jantar, para passar fins-de-semana juntos, para ir ao cinema ou a um concerto.
O grupo durou até para lá dos anos oitenta. Chegou aos noventa, antes de nos dispersarmos todos demasiado (ou pelo menos eu).
As divergências políticas entre setenta e quatro e noventa e poucos só não eram resolvidas a murro porque éramos amigos. Eram resolvidas a gritos, insultos, murros nas mesas, mais insultos, mais gritos, mais murros nas mesas, mais insultos. Quando o tema se esgotava diluíam-se numa imensa amizade e naquilo que nos unia (eram muitas, as coisas que nos uniam. Iam da comida à filosofia passando pelo vinho, literatura, miúdas e essas coisas todas que fazem da vida vida e da morte uma merda).
A primeira vez que me apercebi de que o mundo não era todo assim foi quando me mudei para Genève, em oitenta e três: as pessoas agrupavam-se em função de afinidades políticas e a minha visão das coisas - já então liberal - era mal vinda (por razões que agora não vêm ao caso a maioria das pessoas que conhecia era de esquerda). Mas o grupo em Portugal - onde vinha frequentemente - ajudava-me (ou enganava-me): a convivência com opiniões divergentes é não só possível mas também desejável. Afinal de contas aprendemos mais com quem de nós discorda do que com quem pensa como nós, quanto mais não seja quantitativamente (isto é ironia, não vá dar-se o caso de alguém não perceber).
As coisas mudaram em Portugal e no resto do mundo e a pergunta que me aparecia sem que eu a convocasse era sempre a mesma: o que mudou? Porquê?
Creio que há várias respostas, como sempre. Paradoxalmente, uma delas é a internet. Quando eu discutia com os meus amigos éramos um grupo relativamente fechado, limitado. Quando muito acontecia juntarem-se a esse grupo, ou a parte dele, amigos de um de nós e a conversa estava sempre limitada a esse conjunto. A internet alargou o âmbito do diálogo: todos falamos com todos. O Facebook alargou o conceito de amigo - tanto que o diluiu, de resto, mas isso é outra história -.
Por mim tudo bem. Choro mais facilmente pelo futuro que aí vem do que pelo passado que se foi. Mas não deixa de ser agradável encontrar a resposta a perguntas velhas de décadas.
(Se bem, admitidamente, o assunto não esteja fechado. Porque é que na Suíça dos anos oitenta, quando não havia internet, as pessoas se agrupavam em função das afinidades ideológicas e não aceitavam - salvo raras e honrosas excepções - opiniões divergentes? Fica para outra vez).
Cheguei a Lisboa em Outubro de setenta e quatro e pouco tempo depois - digamos um ano - tinha um grupo de amigos cujas opiniões políticas iam da extrema-esquerda à extrema-direita. Encontrávamo-nos regular, frequentemente. Para jantar, para passar fins-de-semana juntos, para ir ao cinema ou a um concerto.
O grupo durou até para lá dos anos oitenta. Chegou aos noventa, antes de nos dispersarmos todos demasiado (ou pelo menos eu).
As divergências políticas entre setenta e quatro e noventa e poucos só não eram resolvidas a murro porque éramos amigos. Eram resolvidas a gritos, insultos, murros nas mesas, mais insultos, mais gritos, mais murros nas mesas, mais insultos. Quando o tema se esgotava diluíam-se numa imensa amizade e naquilo que nos unia (eram muitas, as coisas que nos uniam. Iam da comida à filosofia passando pelo vinho, literatura, miúdas e essas coisas todas que fazem da vida vida e da morte uma merda).
A primeira vez que me apercebi de que o mundo não era todo assim foi quando me mudei para Genève, em oitenta e três: as pessoas agrupavam-se em função de afinidades políticas e a minha visão das coisas - já então liberal - era mal vinda (por razões que agora não vêm ao caso a maioria das pessoas que conhecia era de esquerda). Mas o grupo em Portugal - onde vinha frequentemente - ajudava-me (ou enganava-me): a convivência com opiniões divergentes é não só possível mas também desejável. Afinal de contas aprendemos mais com quem de nós discorda do que com quem pensa como nós, quanto mais não seja quantitativamente (isto é ironia, não vá dar-se o caso de alguém não perceber).
As coisas mudaram em Portugal e no resto do mundo e a pergunta que me aparecia sem que eu a convocasse era sempre a mesma: o que mudou? Porquê?
Creio que há várias respostas, como sempre. Paradoxalmente, uma delas é a internet. Quando eu discutia com os meus amigos éramos um grupo relativamente fechado, limitado. Quando muito acontecia juntarem-se a esse grupo, ou a parte dele, amigos de um de nós e a conversa estava sempre limitada a esse conjunto. A internet alargou o âmbito do diálogo: todos falamos com todos. O Facebook alargou o conceito de amigo - tanto que o diluiu, de resto, mas isso é outra história -.
Por mim tudo bem. Choro mais facilmente pelo futuro que aí vem do que pelo passado que se foi. Mas não deixa de ser agradável encontrar a resposta a perguntas velhas de décadas.
(Se bem, admitidamente, o assunto não esteja fechado. Porque é que na Suíça dos anos oitenta, quando não havia internet, as pessoas se agrupavam em função das afinidades ideológicas e não aceitavam - salvo raras e honrosas excepções - opiniões divergentes? Fica para outra vez).
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.