Fui ao teatro ver uma coisa chamada "Devíamos ter parado". Uso o termo coisa de propósito, mas sem qualquer propósito pejorativo: foi um dos mais fantásticos momentos de teatro que tive oportunidade de viver.
Um gajo passa uma hora e meia a ver actores basicamente a despirem-se, vestirem-se - trocar de roupa, só um se despe uma vez, de resto uma das raras cenas dispensáveis por cheirar a zeitgeist à légua - e não só não se chateia um segundo que seja mas ainda por cima gosta e pergunta-se (de vez em quando, porque a atenção está concentrada no palco) "como raio é que isto funciona?"
As respostas vão aparecendo aos poucos. Em primeiro lugar funciona por causa da música. É excepcional, tanto a composição como a execução; depois funciona por causa dos actores (é bastante possível que seja ao contrário e sejam estes a primeira causa. Não sei. Pouco importa): conseguem ao longo de meia dúzia de frases desconchavadas, mímica digna de Marcel Marceau e de uma ocupação do espaço quase beckettiana transmitir-nos uma vastíssima gama de emoções, memórias e sentimentos. Depois (ou antes) funciona por causa da encenação: um sequência de quadros, alguns autónomos outros não que explora e se aproveita do potencial de cada um dos actores - o encenador deve conhecê-los como se os tivesse feito (e alguns se calhar fez) - e visivelmente ama-os e ama o trabalho do actor.
O teatro deve ter nascido assim: uma série de pessoas a dizer "aposto que sou capaz de te fazer sentir triste, ou alegre, espantado, enamorado" (de preferência com poucas palavras, quando o teatro foi inventado a então humanidade ainda devia estar muito longe dos polissílabos. Tudo o que tivesse mais de uma sílaba não devia passar de sonho. Ou de pesadelo, mas isso é outra história).
De modo é isto: um gajo vai ver uma espécie de nave espacial extra-terrestre que tomou a forma de uma "peça" de teatro, encanta-se, surpreende-se emociona-se e lamenta não ir mais vezes ao teatro, apesar de saber que tão cedo não verá nada de semelhante e portanto talvez não seja má ideia não voltar a pôr os pés numa sala com actores ao vivo assim muito depressa. Pelo menos enquanto durar o encantamento deste.
O teatro a amar-se a si próprio é tão bonito de ver como tudo o que se ama a si próprio e não se chama Narciso, não cai no poço. Ao contrário: abre um poço, abismos, vertigens.
Um gajo passa uma hora e meia a ver actores basicamente a despirem-se, vestirem-se - trocar de roupa, só um se despe uma vez, de resto uma das raras cenas dispensáveis por cheirar a zeitgeist à légua - e não só não se chateia um segundo que seja mas ainda por cima gosta e pergunta-se (de vez em quando, porque a atenção está concentrada no palco) "como raio é que isto funciona?"
As respostas vão aparecendo aos poucos. Em primeiro lugar funciona por causa da música. É excepcional, tanto a composição como a execução; depois funciona por causa dos actores (é bastante possível que seja ao contrário e sejam estes a primeira causa. Não sei. Pouco importa): conseguem ao longo de meia dúzia de frases desconchavadas, mímica digna de Marcel Marceau e de uma ocupação do espaço quase beckettiana transmitir-nos uma vastíssima gama de emoções, memórias e sentimentos. Depois (ou antes) funciona por causa da encenação: um sequência de quadros, alguns autónomos outros não que explora e se aproveita do potencial de cada um dos actores - o encenador deve conhecê-los como se os tivesse feito (e alguns se calhar fez) - e visivelmente ama-os e ama o trabalho do actor.
O teatro deve ter nascido assim: uma série de pessoas a dizer "aposto que sou capaz de te fazer sentir triste, ou alegre, espantado, enamorado" (de preferência com poucas palavras, quando o teatro foi inventado a então humanidade ainda devia estar muito longe dos polissílabos. Tudo o que tivesse mais de uma sílaba não devia passar de sonho. Ou de pesadelo, mas isso é outra história).
De modo é isto: um gajo vai ver uma espécie de nave espacial extra-terrestre que tomou a forma de uma "peça" de teatro, encanta-se, surpreende-se emociona-se e lamenta não ir mais vezes ao teatro, apesar de saber que tão cedo não verá nada de semelhante e portanto talvez não seja má ideia não voltar a pôr os pés numa sala com actores ao vivo assim muito depressa. Pelo menos enquanto durar o encantamento deste.
O teatro a amar-se a si próprio é tão bonito de ver como tudo o que se ama a si próprio e não se chama Narciso, não cai no poço. Ao contrário: abre um poço, abismos, vertigens.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.