22.4.18

Incompreensivelmente

Não percebo nada de travestis e pouco de disfarces. Não serei portanto a pessoa certa para falar disto. A primeira vez na vida que vi travestis foi em New Orleans em 1977. Pareciam mulheres. O primeiro-maquinista e eu estávamos a fazer-nos ao bife (encorajados pelas ditas senhoras, de resto). Felizmente fomos avisados a tempo pela barmaid, que era minha amiga. Tão pouco percebo de disfarces. Detesto mascarar-me, bals costumés e quejandos.

Posto isto tudo não sei como hei-de qualificar o gajo que ficou à minha frente no jantar: um calmeirão de mais de dois metros vestido de mulher, com carteira e tudo. Mas só vestido. Barbeado, com manápulas que parecem pás de Caterpillar, mini-saia e meias de malha larga. Como aqueles gajos que se mascaram de mulher no Carnaval (coisa de que aliás nunca percebi muito bem o sentido: se são maricas ou travestis ou que for sejam-no o ano todo, como este simpatiquíssimo vizinho de mesa).

As opções sexuais de cada um indiferem-me profundamente (sem jogo de palavras), desde que não mas imponham, naturalmente. O meu lema nessa área - de uma elegância indiscutível - sempre foi "Cada um dá onde pode e leva onde quer". Mas confesso que não percebo por que raio de carga de água o homem anda mascarado. Deve ser alguma tomada de posição política e tal contra o heteropatriarcado machista, contra a opressão de género e dos preconceitos. O texto de apresentação da exposição ia nesse sentido. Mais parecia um catálogo das ideias feitas da época, é verdade. Mas a ideia central era essa. Depois vai-se a ver as fotografias e são bastante interessantes, estimulantes como se dizia há trinta anos.

Esqueci-me de perguntar o nome ao homem, coisa que me aborrece. Gostava de ter uma designação para ele diferente de "calmeirão mascarado de mulher". Travesti sempre usa menos letras, mas parece-me incorrecto pô-lo na estante dos travestis de New Orleans.

Tenho a impressão de que vou continuar a não perceber nada.

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