23.3.19

Sono, mundo

É de retórica que te falo, daquele conjunto de planos intersectáveis de que uma vida é composta, das facas que a cortam em fatias, dos pedaços de Lua que a preenchem e lhe dão forma, do sabor que o frio da manhã te põe nos lábios, da alegria simples dos amores complicados (ou vice-versa), da verdade toda que um polegar contém, igual à de um corpo.

É a retórica do desejo, a gramática do amor, o alfabeto dos dias de sol, o prazer líquido de construires uma torre cujo fim não sabes se é o céu, o inferno ou o limbo do que lhes fica entre, o limbo da mediania, a tangente a um sorriso que te agradece o calor, tangente cujo nome procuras e por vezes encontras, outras balbucias, outras ainda decides esquecer: o nome das coisas sem nome não deve ser recordado, a alegria tangível da flecha que ainda não saiu do arco, o mergulho lento no sono que te acolhe, braços abertos como um mundo.

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