Por onde começar? Pela viagem, claro: a camionete de Mértola para Vila Real de Santo António chega às cinco da tarde. A de Vila Real para Sevilha sai às cinco menos cinco. A solução é evidente e é uma pinça: a) pedir ao senhor de uma das camionetes que espere e b) ao outro que acelere.
A estratégia funcionou: o carro espanhol esperou o português, que chegou com um ligeiro atraso, apesar do entusiasmo do chauffeur (diga-se sem ser de passagem: foi ele quem conseguiu fazer com que o colega espanhol nos esperasse). Resultado: estou em Sevilha.
A viagem de Mértola para Vila Real foi agradável antes, durante e depois de adormecer. O chauffeur (ele intitula-se motorista) tinha sobre Mário Soares a peculiar mas discutível opinião de que "o pai da nossa democracia" (não é o motorista que cito) devia ser amarrado a um cavalo e arrastado pelo chão até morrer "como vi fazer ontem num filme na televisão" (aqui é). Com Cavaco Silva e com Jorge Sampaio era menos feroz. "Também têm culpas no cartório", cito de memória mas verbatim.
Apercebi-me de que a política o fazia perder velocidade, pedi-lhe desculpa e adormeci profundamente. Acordei pouco mais de uma hora depois graças ao esforço que o senhor fazia para "cortar no horário": o Jim Clark que dormita nele há muitos anos despertara ao volante daquela camionete, Deus o abençoe. Chegámos três ou quatro minutos depois das cinco, o que significa que ele "cortou" seis ou sete do percurso: tínhamos saído com dez de atraso, sem razão nenhuma porque Mértola é o inicio da linha.
Não é de todo a primeira vez que uma coisa semelhante me acontece. No tempo em que chegava sistematicamente atrasado aos aviões aconteceu-me telefonar do metro que me levava a Heathrow para o balcão de check in da TAP e pedir-lhes que não o fechassem antes de eu chegar. Passado o momento inicial de estupor a senhora acedeu, com condições mais destinadas a salvar-lhe a face do que a acelerar o metro.
Nunca mais repeti a cena, claro: há coisas que não se fazem mais do que uma vez na vida, sob pena de transformarem em má educação ou arrogância o que não passou de um ligeiro desvario, um jogo de dados com o universo, um teste à sorte, uma aposta contra "o sistema" (aspas porque fica mais bonito).
Seja como for: estou em Sevilha, num quarto de hotel pequeno e cuja recepcionista (do hotel, não do quarto) é podre de boa, coitada. O jantar foi óptimo, uma sequência de tapas aqui e ali, incluindo na Bodega Santa Cruz, sugestão de C. M. F., a quem agradeço ter mencionado o lugar na sua página (e ter visitado a Ler por aí... logo no primeiro dia, claro).
Amanhã turisto de manhã e apanho o avião à tarde, repartição de tarefas que não me parece má de todo: aquilo que vi da cidade à primeira vista dá vontade de lhe dedicar mil vistas.
Já cá tinha estado vai para quarenta anos, mas não me lembro de nada se não de ter dormido em frente a uma estação de comboios, num daqueles carros de transportar bagagens; e de umas ruas velhas iluminadas por candeeiros amarelos. Hoje passei pela catedral e vi de novo as limitações das viagens de quando era hobo. Enfim, quase hobo. Hobo intermitente, a tempo parcial.
Ou seja: em quarenta anos passei de um estrado de madeira ao ar livre para um quarto minúsculo e sem casa de banho no terceiro andar sem elevador de um pequeno mas encantador hotel, cuja recepcionista faria um estilita duvidar.
Há quem tenha feito melhor, mas não me queixo. Amanhã estarei na minha amada Volta Dos e aí se poderá confirmar que o salto foi maior. E que não tivesse sido: a Andaluzia é uma região maravilhosa, povoada por mulheres bonitas, vinho bom e Jerez muito seco. Mais um vagabundo ou menos um não a estragaria.
A estratégia funcionou: o carro espanhol esperou o português, que chegou com um ligeiro atraso, apesar do entusiasmo do chauffeur (diga-se sem ser de passagem: foi ele quem conseguiu fazer com que o colega espanhol nos esperasse). Resultado: estou em Sevilha.
A viagem de Mértola para Vila Real foi agradável antes, durante e depois de adormecer. O chauffeur (ele intitula-se motorista) tinha sobre Mário Soares a peculiar mas discutível opinião de que "o pai da nossa democracia" (não é o motorista que cito) devia ser amarrado a um cavalo e arrastado pelo chão até morrer "como vi fazer ontem num filme na televisão" (aqui é). Com Cavaco Silva e com Jorge Sampaio era menos feroz. "Também têm culpas no cartório", cito de memória mas verbatim.
Apercebi-me de que a política o fazia perder velocidade, pedi-lhe desculpa e adormeci profundamente. Acordei pouco mais de uma hora depois graças ao esforço que o senhor fazia para "cortar no horário": o Jim Clark que dormita nele há muitos anos despertara ao volante daquela camionete, Deus o abençoe. Chegámos três ou quatro minutos depois das cinco, o que significa que ele "cortou" seis ou sete do percurso: tínhamos saído com dez de atraso, sem razão nenhuma porque Mértola é o inicio da linha.
Não é de todo a primeira vez que uma coisa semelhante me acontece. No tempo em que chegava sistematicamente atrasado aos aviões aconteceu-me telefonar do metro que me levava a Heathrow para o balcão de check in da TAP e pedir-lhes que não o fechassem antes de eu chegar. Passado o momento inicial de estupor a senhora acedeu, com condições mais destinadas a salvar-lhe a face do que a acelerar o metro.
Nunca mais repeti a cena, claro: há coisas que não se fazem mais do que uma vez na vida, sob pena de transformarem em má educação ou arrogância o que não passou de um ligeiro desvario, um jogo de dados com o universo, um teste à sorte, uma aposta contra "o sistema" (aspas porque fica mais bonito).
Seja como for: estou em Sevilha, num quarto de hotel pequeno e cuja recepcionista (do hotel, não do quarto) é podre de boa, coitada. O jantar foi óptimo, uma sequência de tapas aqui e ali, incluindo na Bodega Santa Cruz, sugestão de C. M. F., a quem agradeço ter mencionado o lugar na sua página (e ter visitado a Ler por aí... logo no primeiro dia, claro).
Amanhã turisto de manhã e apanho o avião à tarde, repartição de tarefas que não me parece má de todo: aquilo que vi da cidade à primeira vista dá vontade de lhe dedicar mil vistas.
Já cá tinha estado vai para quarenta anos, mas não me lembro de nada se não de ter dormido em frente a uma estação de comboios, num daqueles carros de transportar bagagens; e de umas ruas velhas iluminadas por candeeiros amarelos. Hoje passei pela catedral e vi de novo as limitações das viagens de quando era hobo. Enfim, quase hobo. Hobo intermitente, a tempo parcial.
Ou seja: em quarenta anos passei de um estrado de madeira ao ar livre para um quarto minúsculo e sem casa de banho no terceiro andar sem elevador de um pequeno mas encantador hotel, cuja recepcionista faria um estilita duvidar.
Há quem tenha feito melhor, mas não me queixo. Amanhã estarei na minha amada Volta Dos e aí se poderá confirmar que o salto foi maior. E que não tivesse sido: a Andaluzia é uma região maravilhosa, povoada por mulheres bonitas, vinho bom e Jerez muito seco. Mais um vagabundo ou menos um não a estragaria.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.