27.5.19

Diário de Bordos - Sevilla, Andaluzia, Espanha, 27-05-2019

Não é só as árvores, o calor e as mulheres bonitas. Há mais qualquer coisa que torna impossível um gajo não gostar destas cidades do Mediterrâneo mal lhes dá um passo pelos centros tortuosos, apertados e contorcidos como uma toalha de praia que se espreme para se lhe tirar o excesso de agua, depois de uma rajada a ter levado à água.

É o desleixo. O poder apelativo do desleixo é sistematicamente mal apreciado, passa despercebido mas a estética que dele resulta é poderosa. Esta mistura de arquitecturas imponente, pragmática, "o-que-pôde-ser", "estou-me-nas-tintas-para-o-que-os-outros-pensam", de ruas que não estão sujas mas tão pouco limpas, mesas que nascem como árvores e árvores onde não cabe uma cadeira só prova uma coisa: um mediterrânico é um tipo que sabe o que é a grandeza e convive com a desordem, sabe o que é belo e aceita a fealdade, é simultaneamente asseado em privado e sujo no público, entende que o caminho mais curto entre dois pontos é o mais bonito e não uma linha recta e - sobretudo - sabe dar valor ao que o merece e não dar ao resto.

Um mediterrânico sabe que o desleixo é a vida e a ordem morte. Ainda os termos entropia e neguentropia não existiam e já os mediterrânicos os aplicavam consciente e apelativamente.

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Por razões que têm a ver com o que têm a ver tive de ficar em Sevilha esta noite. Passei a tarde a dormir. Sonos velhos, acumulados, quase a perder a validade. Até amanhã terei de contar os cêntimos, literalmemte. O desleixo é bonito e caro, quase tanto como o voto.

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Escrevo numa tasca mesmo debaixo da televisão que aqui, ao contrário de Portugal, tem som. Programa de culinária. Um gajo qualquer que não vejo mas oiço diz que os "embutidos" são opcionales. Há alguma coisa que o não seja, minha besta? Tabarly (admitidamente a coisa mais perto de um deus que a evolução jamais criou) um dia fez um Pato com Laranja sem pato e sem laranja, só com arroz e diz quem o provou que estava óptimo, que foi o melhor pato com laranja de sempre.

(Verdada que tinha muito humor, um ingrediente que substitui praticamente tudo, na cozinha e fora dela.)

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Sacana do tele-cozinheiro não se cala. vou pregar para outra freguesia.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.