É preciso começar por dizer que não sei por onde começar. Por onde se começam as histórias? Pelo princípio, dizem os entendidos. Bom, para começar isto não é uma história, é um relato. São coisas diferentes. Além disso, eu não sou um entendido (em nenhum dos sentidos do termo: ninguém me entende e eu não entendo nada de nada).
Bom, voltemos então ao princípio: um gajo entra num café banal de Calatrava (um bairro de Palma, para quem não sabe), pede um vermute e de repente aparece-lhe uma espécie de Keith Jarrett para melhor a tocar um piano absolutamente horrível. Passados os primeiros cinco compassos um gajo esquece o piano e começa a chorar. Meia hora depois o pianista pára de tocar e o gajo continua a chorar por mais dez minutos, pelo menos.
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As pessoas falam do ego desmesurado dos músicos, mas à minha frente tenho um gajo que se expõe como se estivesse numa praia de nudistas existencialistas. Fala durante meia hora, durante a qual me diz que a) é descendente de Bergson e b) tem trinta e nove anos e leu ao todo três livros, porque não quer receber informação de terceiros. Disse mais coisas, não levou meia hora a dizer-me isto, mas foi o que retive, aproximadamente.
Depois começa a tocar. E de repente tenho um Keith Jarrett em plena ebulição à minha frente. Um Keith Jarret, juro que não exagero. Uma Maria João Pires. Uma Marta Agerich. Um Glenn Gould.
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É um deus inseguro, um deus que precisa de te mostrar que é deus. Penso em Slocum. "São os capitães demasiado seguros de si que perdem os seus navios". Confirmo: são os deuses inseguros que fazem a melhor música.
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Choro há meia hora, desde que ele começou a tocar. Parou há pouco menos de dez minutos e continuo a chorar, coisa que acho profundamente injusta. Ele disse que ia tocar para "quebrar as más energias do sítio" (aspas porque cito). Não as partiu: rebentou-as, explodiu-as, dinamitou-as. Mas agora, dez minutos depois, o lugar está cheio de energias - a dele, a minha, a da mulher que ele ama e não o ama e se agarra a mim como se eu fosse um lago no deserto.
Bom, voltemos então ao princípio: um gajo entra num café banal de Calatrava (um bairro de Palma, para quem não sabe), pede um vermute e de repente aparece-lhe uma espécie de Keith Jarrett para melhor a tocar um piano absolutamente horrível. Passados os primeiros cinco compassos um gajo esquece o piano e começa a chorar. Meia hora depois o pianista pára de tocar e o gajo continua a chorar por mais dez minutos, pelo menos.
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As pessoas falam do ego desmesurado dos músicos, mas à minha frente tenho um gajo que se expõe como se estivesse numa praia de nudistas existencialistas. Fala durante meia hora, durante a qual me diz que a) é descendente de Bergson e b) tem trinta e nove anos e leu ao todo três livros, porque não quer receber informação de terceiros. Disse mais coisas, não levou meia hora a dizer-me isto, mas foi o que retive, aproximadamente.
Depois começa a tocar. E de repente tenho um Keith Jarrett em plena ebulição à minha frente. Um Keith Jarret, juro que não exagero. Uma Maria João Pires. Uma Marta Agerich. Um Glenn Gould.
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É um deus inseguro, um deus que precisa de te mostrar que é deus. Penso em Slocum. "São os capitães demasiado seguros de si que perdem os seus navios". Confirmo: são os deuses inseguros que fazem a melhor música.
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Choro há meia hora, desde que ele começou a tocar. Parou há pouco menos de dez minutos e continuo a chorar, coisa que acho profundamente injusta. Ele disse que ia tocar para "quebrar as más energias do sítio" (aspas porque cito). Não as partiu: rebentou-as, explodiu-as, dinamitou-as. Mas agora, dez minutos depois, o lugar está cheio de energias - a dele, a minha, a da mulher que ele ama e não o ama e se agarra a mim como se eu fosse um lago no deserto.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.