15.1.20

Oscilações

Habituado desde criança a ler e a ouvir histórias de mar e marinheiros, aprendeu cedo a rejeitar a influência da sua vontade no mundo. «O que eu quero que aconteça e o que vai acontecer são duas coisas diferentes, que só pelo maior dos acasos - e das sortes - se sobrepõem», já pensava ainda antes de o saber formular. O que não o impedia, longe disso, de esperar o melhor, sempre. «Optimismo sem realismo é patetice», pensava (mas continuava a não saber formular). «Realismo sem optimismo é uma tristeza, tão triste que mais parece estupidez.» Incapaz de optar decididamente por um ou por outro, sempre oscilou entre estes dois pólos, antagónicos como a gema e a clara de um ovo e igualmente capazes de coabitar sem se misturar - até apanharem uma sova vinda não sabem de onde.

Já ele sabe muito bem de onde lhe chega a porrada que leva, mas a ter de escolher - ou melhor, a poder escolher - prefere a que apanha por excesso de optimismo. «O realismo não magoa ninguém, mas tão pouco dá grandes alegrias. O optimismo leva-me mais longe, apesar de as quedas serem maiores e mais dolorosas. Tal como o excesso de confiança nos outros, de resto: o que é bom dói mais quando magoa e oferece mais quando não.»

Na verdade, gostaria de ter a dose certa de cada um destes ingredientes e ser moderadamente infeliz a maior parte do tempo e moderadamente feliz o resto. «Viver assim, oscilando como um marinheiro bêbedo entre um whisky e a prostituta que lho serve», pensava nos dias tristes, «é um objectivo nobre, legítimo.»

Mas tinha os dois e as oscilações eram entre isso e a morte, não entre um pouco de uma e um pouco da outra.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.