16.4.20

Ali onde os dias vão morrendo, como a luz nas altas latitudes

É noite e o teu cemitério está cheio de vivos. Os mortos abandonaram-te. Estás sozinho à entrada, não vês luzes e o silêncio pesa, tanto mais que sabes não haver mortos ali. Quem está  respira tanto como tu, espera, deseja, pensa. Não se manifesta, é tudo. Avanças pela noite cega, a ausência de luz é total. Conheces o caminho: já ali viveste, já foste um deles. Um dia decidiste morrer, trocaste de mundo e agora avanças de novo pelas alamedas desertas. Os vivos estão por baixo das campas. Só tu, morto, vives.

As alamedas do cemitério não são rectilíneas. Circumvalações, labirintos, curvas, barreiras, portões - alguns abertos, outros fechados - degraus que não vês, não estavam ali quando lá vivias.

É aqui que os teus dias vão morrendo, deixando apenas quem neles vivia. Começam pelas noites, a gangrena sobe para as tardes e depois para as manhãs. Não te surpreendas: os teus dias morrem devagar. Quando chegarem, reencontrarás os outros, os que os povoaram contigo e agora te esperam vivos debaixo das campas.

Como a luz nas altas latitudes lentamente se converte em sombra.

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