22.9.20

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 22-09-2020

Dia desastrado, dia desastroso? Sim e não.  Fui ainda mais desajeitado do que sou habitualmente. À primeira vista parece dificil, quase impossível. Deixei cair a máquina fotográfica e tenho de a mandar reparar. Com a maré no estado em que está e sem dar sinais de mudar, o mínimo que se pode dizer é: "Não foi oportuno." (Isto para não mencionar que vou ficar muito tempo  sem poder fazer fotografia, o que bem vistas as coisas tão-pouco é agradável.) Depois lá mais para o fim do dia a coisa balançou um bocadinho para o outro lado. Isto é: não ficou tão em baixo.

Há dias assim, em que me pergunto por que milagre consegui habituar-me a viver comigo.

..........

Amanhã é dia de chilli con carne, não a pedido de várias famílias mas sim de vários na família. A memória das famílias é feita de coisas assim. Ocorrências recorrentes: chilli, fondue, qualquer dia amêijoas à Bolhão Pato, a distracção e a falta de jeito do pai. Estatisticamente, ainda tenho uns bons vinte anos disto (a menos que venha uma Covid e me prolongue a vida), mas como sei por experiência própria que vinte anos passam num ápice, mais vale aproveitar e sugar cada segundo.

Até ao tutano.

........

Amanhã começo uma campanha de promoção do Avenida. Seja o diabo cego, surdo e mudo se não conseguir vender coisa  que se veja. Quero continuar a trabalhar no segundo volume.

En attendant, parece que desta vez acertei com a tradução para francês. Hallelujah!

........

Pequena nota privada: é incrível, inesperado, assustador quão todas as cabeças, mesmo as de que menos se espera tal coisa, são permeáveis ao zeitgeist, à l'air du temps, ao ar do tempo. Estou "proibido" de usar os termos "pédé" (maricas) e "gouine" (fufa). Devo dizer "homosexuel". As aspas em "proibido" servem para mostrar o que tenciono fazer da "proibição". 

Malditos tempos... Antes o chili, ainda que pouco picante. Um dia, homosexuel e gay terão a mesma carga semântica que têm hoje maricas e fufa, mas já cá não estarei para me rir. Todas as épocas se esquecem das que as precederam e erigem-se em absolutas. Nas que lhes sucederão, então, nem pensam. Somos - nós e as palavras - um ponto no espaço-tempo, um degrau na escada semântica, um sopro na evolução dos valores. Sopro tão fraco que nem para apagar um fósforo chegaria. Quanto mais definir eternidades.

........

Por exemplo: quem apostaria um avo em que eu seria, ao fim de tantos anos, forçado a reconhecer o meu gosto por Genebra, maior do que agora sou capaz de dizer?

Uma cidade é feita de pessoas e uma vida também.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.