Que fazemos com os vinhos que nos Dão? Bebemo-los, partilhamo-los, damo-los e – sobretudo – agradecemo-los. Agradecemo-los a quem no-los deu, a quem os fez, a quem os partilha connosco, prova-rainha de amizade. Sem desprimor, não é em torno de um copo de leite ou de água que se selam amores, amizades, projectos, futuros comuns, que nos reconciliamos com amigos desavindos ou reatamos laços familiares há muito quebrados.
Se os vinhos que nos dão vêm do Dão, o agradecimento deve ser feito a dobrar, porque os vinhos do Dão têm todas as características de um bom vinho, a dobrar. Além disso, atraem uma classe especial de pessoas para os fazer. Ou melhor, continuam a atrair: os que sabem fazer vinho. Quando em Portugal havia meia dúzia de marcas, a que sobressaía era o Grão-Vasco (pelo menos para um jovem recém-regressado de Moçambique e que de vinho só conhecia a palavra). A minha descoberta do vinho foi uma exploração metódica pelas várias regiões de Portugal – e mais tarde de França – mas desde cedo fixei a preferência nos vinhos do Dão. Há tempos escrevi porquê: gosto de vinhos e de mulheres que deixam um rasto quando passam por mim. Os vinhos do Dão deixam marcas, deixam traços, deixam – como tantas mulheres – uma irresistível vontade de voltar a eles, de não os deixar. E não nos deixam a memória.
Adstringentes ma non troppo, encorpados sem se parecerem com blocos de granito líquido, equilibrados e a saber a uvas – é o que procuro num vinho, não é sabor a morangos, bananas, coiro velho ou alicates de pressão – os vinhos do Dão equilibram doçura e carácter, sabem persuadir pela inteligência e não pelo força, sabem unir quem os partilha porque foram feitos para isso – unir.
Há tempos ofereceram-me três garrafas de vinhos do Dão: uma de Touriga Nacional, uma de Encruzado e outra de Clarete. A primeira foi oferecida a um irmão, as duas últimas partilhadas com uma senhora e muitos amigos que ocupam no meu planisfério de afectos uma área muito grande. É o destino correcto a dar aos vinhos do Dão que nos dão: abrir o mapa-mundo do afecto, escolher as áreas mais vastas e profundas e deixá-los lá.
Vivo no estrangeiro e quando dou jantares em casa é sempre aos vinhos do Dão que dou prioridade na hora de escolher os vinhos. Nem sempre é fácil encontrá-los, ou encontrar os que se adequam ao que vou cozinhar (se bem me aconteça muitas vezes adaptar o menu ao vinho que tenho disponível). Muito mais do que qualquer outra região portuguesa –as outras que me perdoem – penso que é a do Dão que melhor representa as características portuguesas, as características do vinho português. Ou seja: o vinho que nos Dão não se limita a Portugal: devemos dá-lo, bebê-lo, partilhá-lo e apreciá-lo nos sete cantos do mundo.
Não quero neste artigo citar marcas, pela razão simples e irrefutável de que a) não sou um especialista, sou um amador. As minhas impressões não passariam disso mesmo: impressões subjectivas, modeladas tanto pela memória como pelos sentimentos e b) seria incapaz de me lembrar deles todos. São muitos, uns melhores outros piores mas nenhum mau.
Os vinhos que o Dão nos dá são nobres. Trazem neles a nobreza das gentes que os fazem, das terras – tão belas - onde crescem, enobrecem quem os bebe e por isso devemos agradecer-lhes.
Porto, 30-08-2020
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.