17.12.20

Diário de Bordos - Lisboa, 17-12-2020

Mal Waldron e Steve Lacy impedem de ir para a cama até o mais heterossexual dos homens. O álbum chama-se One-Upmanship e só ele justificaria os oito euros e qualquer coisa que pago por mês ao Youtube. Deve ser o dinheiro mal gasto mais bem gasto de sempre. O fdp que me ficou com os CD devia queimar-se no inferno dos marinheiros (infelizmente não pode: não é marinheiro. É yachtie, uma sub-espécie de sub-homens do mar cujo trabalho consiste basicamente em lamber cus e lamber conveses. Ganham uma pipa de massa por isso, vá lá. Putas por putas antes bem pagas).

Bom, passado este bocadinho de raiva controlada: não tinha o One-upmanship. Tinha uma série de discos do Mal, dois ou três do Steve, mas não este. Que se lixe: faz sempre bem desaguar as iras comprimidas. Um dia chove a sério e ofereço uma casa - uma janela, vá - a um bom vendedor de discos de ocasião. (Com limites: não pagarei duzentas e cinquenta libras esterlinas para readquirir From gardens where we feel secure, por exemplo, miss Astley que me perdoe. Antes mais uma ronda de insultos ao filho de um comboio de putas, etc.)

De modo fico na sala a ouvi-los. Aproveito e bebo um copo da mistura de aguardentes que herdei recentemente e penso no médico de amanhã, no almoço de amanhã. em tudo de amanhã. Deve ser a primeira vez nas últimas semanas que penso tanto tempo para a frente. Consigo finalmente projectar-me no futuro, que alívio.

Imagino-me a ver bem: não será amanhã, naturalmente, mas amanhã será uma etapa importante. Tão importante que não me importo nada de repetir palavras como o Steve Lacy repete notas no seu saxofone soprano. A seguir devia vir a Jeanne Lee, mas não posso. Estou exausto. Pensar adiantado esgota-me.

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Os políticos descobriram que podem finalmente realizar os seus piores instintos e ainda ganham votos com isso. Não se coíbem, claro. Agora é o fim do ano. Nunca fui grande fã dessa festa, mas isso é irrelevante. Não torna aceitável que António Costa a proíba. Aceitável é que alguém dê um murro nas ventas àquele pulha infame. Não sou pela violência na política - nem em lado nenhum, de resto - mas para este tipo abriria uma excepção. Ou duas, ou três, ou muitas.

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Vou ouvir a Virginia. É mais calma.

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Há uma coligação de imbecilidades, azares, inabilidades - tudo se concentrou em mim nestes últimos tempos. Sinto-me um pára-raios. A ver se os passarinhos e as flautas os esconjuram, transformam aquilo tudo num facho de palha podre e a desfazer-se ao vento.

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Escrever também ajuda, verdade seja dita. Enquanto escrevo não oiço os acufenos nem penso em mais nada. Devia fazer isto mais vezes.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.