27.12.20

«Não avançamos para a verdade. Mudamos de dogmas, é tudo»

Estamos em período de mudança de dogmas. A dificuldade para quem não é nem foi dogmático é saber que se está o trocar um dogma por outro que não é mais verdadeiro - mas que por ser mais novo é mais dogmático. O problema não é geracional: quantas pessoas da minha idade abraçam as causas dos animais, do ambiente, da «igualdade», da inclusão, das «alterações climáticas» (entre aspas porque ninguém contesta que as há; contesta-se é se há alguma coisa a fazer que não seja pior do que adaptarmo-nos a elas - questão a que a Covid veio dar uma luz aterradora). Estes novos dogmas estão a pôr em causa muitas das conquistas que fizeram da nossa civilização aquilo que ela é - a importância fundamental da liberdade, do quadro jurídico, a noção de que fé é uma coisa e conhecimento outra, bastante diferente, a noção de que somos ou devemos ser todos iguais perante a lei, a ideia de que «somos todos iguais, braços dados ou não» (admitidamente, com um interpretação de «iguais» diferente da do autor. Mas o espírito é esse: «braços dados ou não.»)

Os dogmas que aí vêm - ou já estão - cilindram todos esses conceitos e não os substituem por nada melhor. Eles também suscitarão, a seu tempo, reacções tendentes a repor o fiel da balança a caminho do centro. Daqui a trinta anos, a palavra gay será tão inaceitável como maricas é hoje (e haverá pessoas a lutar pelo direito de a usar, como hoje há quem resista e continue a dizer maricas, porque não lhe dá nenhuma conotação pejorativa e não vê razão para tanta sanha contra o léxico, porque não reconhece às palavras o poder de mudar o mundo. É este que as muda, não aquelas este).

Uma das constatações mais desagradáveis é a de que Deus afinal não morreu. Estilhaçou-se em mil bocados, cada um deles suscitando a sua própria mini-religião, laica e tão ferozmente oposta à racionalidade como qualquer das grandes fés (o que é diferente de religiões, que não só não se opõem à racionalidade como a estimulam).

O mundo que aí vem e que deixamos aos nossos filhos - e netos, estas transformações são lentas - não será nem pior nem melhor do que o nosso. Será diferente, melhor para uns e pior para os outros, como o nosso não foi igualmente bom para todos.

A única coisa que podemos e devemos fazer é deixar aos nosso filhos uma caixa de ferramentas intelectual que lhes permita destrinçar os dogmas do resto e aprender que é esse resto que conta, não os dogmas.

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