8.12.20

Optimismo

Esta bizarra espiral que te envolve, feita das mais variegadas formas, cores e pesos, gira a diferentes velocidades. Poderia ser feita dos anéis de Saturno se de repente o planeta se tivesse desvanecido e os anéis começassem a afunilar, cone de gelado sem a bola por cima e contigo no centro. Deixa-te sem fala, sem ar. Sem silêncio, sequer. Deixa-te nu, enfriado, estátua oca de ti. Tudo gira à tua volta, a ponta do cone na terra esburaca a crosta, vais-te enterrando cada vez mais, protegido do lado iluminado da vida por essa armação intocável, por mais que estendas o dedo e balbucies sons ininteligíveis. Do lado de fora da carapaça girante, cónica, multicolorida ninguém te espera, ninguém te ouve, ninguém te vê afundares-te na terra seca e fria que se vai pulverizando e desfazendo em finos grânulos de poeira que agora te asfixiam. Um dia, sabes, o sentido da rotação inverter-se-á. A espiral desfazer-se-á, as cores tornar-se-ão sons e tu terás aprendido um pouco mais da arte de te transformares em pó - arte a que alguns, num momento de detestável e sedento optimismo, chamam vida.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.