17.1.21

Diário de Bordos - Lisboa, 17-01-2021, dia de eleições antecipadas

A bicha estava maior mas avançava mais depressa. Pelo menos foi o que me pareceu. Verdade é que foi rápido e gostei da organização. Havia pessoas a informar ao longo do trajecto, o processo foi fácil, fluido e rápido. Cumpri o meu dever eleitoral - votar na IL - muito mais facilmente do que esperava. Levei a bicicleta até o interior da reitoria, a senhora acedeu a guardar-ma (não percebi se com satisfação se não, mas isso é-me um bocadinho indiferente. Espero que tenha gostado. A Coluer é linda e tê-la à frente à guarda não é sacrifício para ninguém, suponho).

O cozido à portuguesa do café Tatu era óptimo, o vinho aceitável e agora vou para casa, devagarinho (esta é a palavra-chave). A bicicleta é confortável como uma poltrona e estou contente. Tudo é leve quando se está contente, mesmo uma bicicleta pesada.

Rolo por essa cidade abaixo. Há muitos carros e bicicletas na rua e a satisfação de ver automóveis parece-me estranha. Ciclistas a usar máscara é bizarro. Devem estar  proteger-se da variante ciclista do vírus, imagino. Mas é melhor vê-los assim do que não os ver de todo. Já gostar de ver carros é diferente. Não é bem uma novidade, mas anda lá perto. 

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Não estou a contar tudo como aconteceu. Este diário é relapso.

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Agora devia começar a série Amo-te Lisboa: parei na rua das Portas de Santo Antão. A ginginha estava fechada, mas a Ginginha Popular servia, prestando atenção à polícia que estava nas imediações. Foi um quadro de vida lisboeta - beber uma ginginha às escondidas da polícia roça o surrealismo - mas é a Lisboa que eu amo, a Lisboa resistente, a Lisboa de todos os santos vícios. Outro slide, no quiosque do cais do Sodré. Outro ainda, no meu amigo Hernâni. Cheguei a casa depois de n paragens e cada uma delas tinha sabor a Lisboa, a minha Lisboa, a de sempre, a que diz Sim e fecha as pernas ou Não e as abre, a Lisboa da finta, dos mânfios, a Lisboa que resistiu ao terramoto, ao Kruz Abecassis e há-de resistir ao Medina. Amo-te Lisboa e não é por causa do Mosteiro dos Jerónimos ou da Torre de Belém. É por causa da luz e das pessoas que ela ilumina e faz viver e elas em troca fazem viver. 

(A ginginha da Ginginha Popular é Espinheira, menos boa do que a Sem Rival, mas quem perder tempo a pensar nisto agora está equivocado.)

Lisboa é um equívoco para quem só vê bem e a cidade certa para quem sabe ver de través.

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Nb: o cerne da questão para um escritor não é saber se os leitores estão de acordo com aquilo que escreve. É saber se os leitores concordam com a forma como o escreveu. O trabalho do escritor é escrever, não é pensar. Absorver e escrever. E já agora, escrever bem. Isto é: tornar inteligíveis as ideias, sejam elas pensadas por si ou por outro gajo qualquer. O senhor da ginginha, que mas serviu (bebo sempre duas, para não ir coxo para casa) com um olho na garrafa e o outro nos polícias tem tanto direito a ser citado («estes cabrões não me largam, desde o princípio da tarde que andam aí») como o professor universitário que pensa que o vírus tem a obrigação de obedecer ao nosso primeiro-ministro (e se não obedeceu não foi ele, fomos nós).

Os chuis largaram-nos, bebemos as ginginhas - éramos dois à espera que aquilo passasse -  Lisboa foi Lisboa e o resto que vá para o inferno, como cantava um senhor brasileiro aqui há uns anos.

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Na verdade, a verdadeira questão foi formulada por Henrique Pereira dos Santos já em Março ou Abril: qual é o problema em aceitar que há um processo natural que nós não conseguimos controlar e ao qual nos devemos adaptar? Essa é a questão, inteira e límpida. Tentar parar o vírus com «medidas» é como tentar parar o vento com as mãos (continuo a citar Henrique Pereira dos Santos). Qual é a dificuldade em aceitar isto? Porque pensamos que temos um controle absoluto sobre todas as forças da natureza? Estas medidas só servem para ecrã de fumo, não resolvem nada - como se tem visto até agora em todo o mundo. Basta querer ver.

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