"Sinto-me como se estivessem a tirar-me a alma com um saca-rolhas ferrugento." Marisa era excessiva em tudo, até nas imagens. Era uma mulher de quarenta e dois anos, sem filhos porque, dizia, "uma depressiva não deve parir, corre o risco de a DPP lhe durar para o resto da vida."
Encontrei-a no comboio para Faro, numa viagem de regresso a casa. "O meu saca-rolhas não está ferrugento", disse-lhe. "Não falava de ti, estúpido." Estamos juntos há cinco anos. Não quer casar-se, eu tão pouco. Estamos bem assim: ela em Lisboa, eu em Faro e o comboio, esse enorme hífen que nos une. Ela diz que é uma relação a três e eu concordo.
No outro dia, perguntei-lhe como estava a alma. "Desenferrujaste-ma, palerma. Como muito bem sabes. Há saca-rolhas que fazem milagres." Fez uma pausa, pôs-me a mão na perna e continuou: "Enfim, faziam. Agora, é só questão de manutenção, não é?"
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.