Que se lixe a hora. Vais deitar-te e não-dormir, como ontem. Não-dormiste até de madrugada e não sabes que fizeste da noite. Nada, provavelmente. Como leste um dia, a vida é uma longa insónia ao fim da qual devemos poder responder a uma pergunta simples: que fiz eu desta noite? Desta longa noite? Não me venhas com a história das árvores, dos filhos e dos livros, já fizeste isso tudo (e os filhos a dobrar). Fala-me de coisas importantes, de quantas vezes morreste, qual o amor que mais te queimou, qual o mal que fizeste que mais lágrimas te arranca hoje? Aprendeste a viver com o mal que fizeste... Nada mais há que possas fazer senão aprender, jurar que não voltas a ferir ninguém e menos ainda uma mulher cujo único erro foi apaixonar-se por ti. Jurar a quem? A ti próprio, não há mais ninguém. E as que te magoaram: que fazes dessas dores que se acumularam e ainda hoje ressoam, todas, não te falta uma, como se coleccionasses lágrimas e punhaladas, como se te preparasses para um dia as fulminares com um tiro cada uma, em fila de costas para ti, como alvos numa feira.
Não penses que no fim tens uma balança e podes pôr num prato umas, no outro as outras. Não há ninguém, nem para ler a balança nem para te ajudar a seleccionar as dores. Não são coloridas nem têm números.
Dessa longa insónia só trazes dores? Não tens alegrias? És um chato. Vai não-dormir para a cama e pensa no que vais fazer quando acordares. Deixa-te de dores, coloridas ou numeradas. Pensa na tua sorte: não tens sequer frio. Quem não tem frio tem tudo. Quem não-dorme também.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.