Não é preciso ter passado mais de meia-hora em qualquer país africano, sul-americano ou até mesmo no Reino Unido, para se saber que Portugal não é o único país do mundo obcecado com os sinais distintivos de classe social. O problema - chamemos-lhe assim, apesar de não o ser - dos outros interessa-me pouco, como ir ao jardim zoológico ver macacos ou a uma universidade ouvir falar de politicamente correcto. Já o português me aborrece bastante, porque sou vítima de algumas das suas manifestações.
Claro que não me refiro a clivagens patéticas e inócuas como o presente / prenda, mala / carteira, tratar os filhos por você et simili. Isso são epifenómenos, equiparáveis em valor às práticas opostas - chamar prenda a um presente é a mesma coisa do que chamar presente a uma prenda.
Porém, algumas manifestações de superioridade social são mais aberrantes, no sentido de darem vontade de berrar. Uma delas é a falta de pontualidade. Não ser pontual é ser dono do tempo do outro. É dizer-lhe «O teu tempo é menos importante do que o meu.» «Faço o que quero com o teu tempo.» (Admitidamente, isto não é uma descoberta recente.) Outra, mais especificamente portuguesa - mas de maneira alguma exclusiva - é a falta de resposta a e-mails ou telefonemas. Não responder a um e-mail é negar ao outro não só a sua existência - o e-mail deixou de existir, a razão do e-mail também - mas também a sua essência - o outro desapareceu. «Tu não mereces sequer que eu me arrisque a dizer-te «não» (uso o verbo arriscar propositadamente: para um povo de cobardolas como o português, o não é simultaneamente um confronto e uma posição, logo coisa a evitar duplamente. Se por acaso mais tarde for preciso, poor qualquer razão, mudar a decisão pode sempre dizer-se «o e-mail escapou-me» ou «não vi a notificação da tua chamada» ou coisa que o valha.)
Ao contrário do que durante muito tempo pensei, a não-resposta não é só um sinal de má-educação (é), de cobardia (ditto) mas é, sobretudo, uma manifestação de ascendente social. É provavelmente por esta última razão que a suporto tão mal.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.