19.2.21

Diário de Bordos - Porto, 19-02-2021

Gastei cinco euros em músicos de rua. Ninguém merece tanto a nossa ajuda como eles e se antes desta palhaçada já dava sistematicamente massa a quem me alegrava os poucos minutos durante os quais lhe ouvia a música, agora dou ainda mais e mais. À solidariedade junta-se a gratidão, duas poderosas molas para a generosidade. Também comprei café (de Timor, numa casa chamada Pretinho do Japão. São uma delícia, a loja e o café) e vinho «bom». Vou beber um copo à saúde do médico que me operou, apesar de ele nunca o vir a saber. É provável que possa ir-me embora deste Porto confinado, frio, chuvoso, chato e feio ainda antes do fim do mês. Sei que vou chegar a uma Lisboa igualzinha, mas pelo menos a essa já conheço os cantos. Sempre ameniza.

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Não é a primeira vez na vida que sou tratado numa clínica privada, mas é a primeira em Portugal. Finalmente, percebo porque é que os socialistas não as querem usar para complementar o SNS: não as querem encher de «escumalha» (entre aspas: a escumalha a que me refiro não o é de todo. É só quem vem de classes sociais que não têm acesso aos círculos do poder e de quem manda. - Isto dito, as contas saem-lhes furadas, aos socialistas e associados: há cada vez mais gente das classes médias a comprar seguros de saúde. Não tarda, os apparatchik terão de inventar um sistema de saúde só para eles, como na antiga URSS).

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Se um dia alguém escrevesse um livro chamado «Aventuras de um desmascarado na cidade mascarada» seria um livro muito maçador e monótono: os argumentos são sempre os mesmos. Hoje, o empregado de um supermercado disse-me «O senhor já cá veio várias vezes e temos sempre de lhe dizer isto [pôr a máscara por cima do nariz}». Respondi-lhe: «E vão continuar a ter de mo dizer cada vez que cá vier. Hão-de cansar-se de mo dizer, tanto quanto eu estou cansado de vos ouvir». Sorriu por detrás da máscara e assentou. Temos um acordo. Eles ganham, claro, por simples maioria numérica e legal. Mas não há-de ser como faca a entrar em manteiga quente.

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Em todas as cidades onde trabalho tenho um taxista «privado». Em S. Luis do Maranhão era o Maciel, na cidade do Panamá o Alexis, em Casablanca Mohammed. Na Europa não é preciso, claro. Ou melhor: não era, até a Uber começar a exigir que se tire uma fotografia para provar que se tem a máscara. Deixei de a usar e por causa disso conheci um senhor chamado José, que até eu me ir embora vai ser o meu guia no Porto. É chauffeur da Uber e da Volt, mas com ele lido directamente, ando com a máscara onde quero e tenho interessantes conversas políticas. Hoje (primeiro dia da nossa colaboração) explicou-me que nas presidenciais votou Ventura. Hesitou entre este e Mayan, mas optou pelo Ventura porque tem mais punch (os termos são meus). Quando «os que lá estão» apanharem um susto valente, então votará IL. A mulher dele tem um restaurante em Gaia chamado Tempero da Maria. Fica a promessa: quando o circo acabar, hei-de lá ir comer.

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Não contente com condenar-me a prisão domiciliária, o meu governo mantém-me prisioneiro no meu país.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.