17.3.21

Diário de Bordos - Lisboa, 17-03-2021

A minha Mãe fazia isto muitas vezes. «Hoje é dia de restos», anunciava. Por vezes convidava-se um ou outro amigo mais próximo; outras, aparecia alguém impromptu para jantar. Era sempre uma festa: revisitavam-se os pratos de que mais gostáramos durante a semana, evitavam-se - com uma boa desculpa - aqueles que nos atraíram menos. Na Marinha Mercante é (ou pelo menos era) um «prato» frequente aos domingos. Chamava-se Roupa velha e consistia numa mistura dos restos da semana envolvidos em ovo, disfarçados com tomate. Na Suíça é um insulto convidar alguém para os restos. Fazia-o frequentemente, para... - para quê? Para chatear? Para mostrar que «eu não sou daqui»? Para... - Nada disso. Simplesmente porque para mim é uma forma de me aproximar das pessoas que me são queridas, de me dar informalmente, de lhes «revelar» um pouco do que foi a semana, como num caleidoscópio se vê melhor a imagem, dividida em pequenos sectores.

Hoje vêm convivas que conheço há muito e uma que não conheço de todo. Vamos ver como funciona a mágica. Porque é disso que se trata: mágica, alquimia, muito mais do que química, termo que é mais utilizado. Química é uma ciência exacta, senhores. A alquimia e a hospitalidade não. 

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Vou chegar a Genebra com temperaturas máximas de 6º e mínimas de -3º. Revisito o passado, quando as épocas mais difíceis para mim eram a Primavera e o Outono. Andava a queixar-me - nos circuitos internos de queixas e reclamações, nada de coisas públicas - da temperatura, que me parecia fria. Agora vais ver o que é frio, outra vez. Vá lá, compensado pelo calor do amor, etc. Já os olhos se me pingam, só de pensar nisso.

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Estou igualmente ansioso por ir e por ficar. Antigamente, chamava-se a isso um double bind. Enfim, quase. Isto é, quase igualmente. Lisboa, o calor, o Tejo - hoje vim do almoço em casa do H. (V. D.) pela beira-rio, deslumbrante, abissal de beleza, resplandecente - tudo o que aqui me prende, me atrai, este amor não correspondido - este amor de que não tenho vergonha de revelar a falta de correspondência, Lisboa é desavergonhada, já o sabemos todos há muito - tudo o que aqui amo e me desespera não chega à vista da S., do T. e da H., amores correspondidos, partes de mim, passados e futuros de mim.

Enfim, há pelo menos um argumento importante: em Genebra trabalho melhor, sou mais produtivo. Não sei porquê - nem procuro saber - mas sou. Com a quantidade de bolas que tenho no ar, isto pesa.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.