29.4.21

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 29-04-2021

O dia acaba, a calidez dá lugar à frescura. Prefiro o termo inglês: chilly, chilliness. Pica. Estimula.
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O Gustar continua um dos melhores restaurantes de Palma - não me refiro à relação qualidade / preço, na qual não haveria lugar a dúvidas. Alta cozinha, amor, brio profissional, simpatia, competência, tudo a um preço que até um pobre marinheiro longe de casa acha aceitável. Refiro-me a  tudo: à praça, às laranjeiras agora carregadas de fruta, à ausência de  automóveis, à paz que deste local se liberta, fantasma mais do que visível, palpável.

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Dou o primeiro espirro, olho em volta e vejo que sou o único cliente de mangas curtas e sem um casaco. Como Lisboa, Palma tem a estranha capacidade de me encher de calor, calor esse que não se desvanece com a passagem das horas, com a lenta substituição da luz do Sol pela das lâmpadas.

Ou de pertença, não sei. Hoje disse à P.: «Estou em Palma e não estou de passagem, ainda que me vá embora daqui a um mês.»

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Depois de jantar, tentativa de copo no Antiquari: «Cheio, impossível.» No Rita: «Cheio, possível.» As mudanças de lealdade nunca são fáceis e só ocorrem quando se tornam inevitáveis.

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«Descubro» Fauré. Aspas porque não é a primeira vez que o oiço. É a primeira vez que o oiço. Quem, como eu, tem uma relação totalmente hebdonística com a música - sou incapaz de distinguir um dó de um lá, excepto quando os dós não estão lá e estão cá - não descobre música: deixa-se descobrir. A música é uma peça do puzzle que só encaixa quando se descobre o seu lugar. Hoje calhou a vez aos Nocturnos, de Fauré, tocados por um (aparentemente) então jovem pianista chamado Erick Heidsieck, uma versão masculina de Maria João Pires. Música que magoa. Pensar que passei anos sem gostar de música moderna - isto é, sem a ouvir. Como é que se pode gostar de uma coisa que não se ouve, de um autor que não se lê, de uma mulher que não se conhece? Estar errado é não conhecer? Conhecer e não ouvir? Não sei, não quero saber e estou-me nas tintas para quem sabe.

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