18.4.21

E não foi

É assim que pela noite tacteio à procura do sentido que perdeu o s final: o sentido de uma noite numa noite sem sentidos, numa noite em que tudo parece flutuar no magma indistinto das origens. Não faz sentido com esta idade pensar nas origens, pois não? Com que idade se deve parar de pensar nas origens? Com que idade se deve parar de pensar? Apagar a luz da memória como quando eras criança e a tua mãe apagava a luz do quarto, depois da oração da noite em favor dos homens que andavam no mar. Com que idade o mar sai da tua noite? Com que idade o tempo sai da tua memória?  Com que idade o mundo deixa de voltar atrás, como se a rotação terrestre se tivesse invertido? «Viver com a memória é viver ao contrário», dizias-me nas poucas noites que passámos juntos. «Viver com a memória»: uma noite; «é viver ao contrário»: outra noite. Foram só duas? Onde estão as outras todas, as que ainda virão, as que perdemos, as que fugiram de nós como andorinhas assustadas?

Que fizemos, dos silêncios, dos sentidos, destas mãos que se procuram e só por vezes se encontram? Que fizemos de nós, do tempo, da noite? Que fizemos do que poderia ter sido?

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