Nada disto é simples. Quero dizer: se por exemplo deres uma volta ao mundo e regressares ao lugar de onde partiste - a chamada volta ao mundo perfeita - o lugar mudou durante a tua ausência; e tu mudaste, mesmo estando sempre presente em ti. As coisas acontecem com ou sem nós, como se não passássemos de meras ilusões ópticas. Ou tácteis, se preferires, tu que tanto gostas de tocar, do que é tangível.
Tens, é certo, uma noção peculiar do que é tangível: um sonho, um seio, um ventre, uma vaga, meia dúzia de sílabas juntas ou separadas... Nada do que te toca te foge ao toque. Tudo o que te toca é imediatamente tangível. Há uma certa ingenuidade nisso, ambos o sabemos: acreditar que a pessoa com que agora sonhas é tangível porque o seio com que sonhas o é demonstra - estou seguro de que concordarás - uma certa inocência, uma espécie de virgindade do espírito, a lisura aquática de um lago num dia sem vento, o luar que nessa lisura se reflecte sem querer, o sonho de uma folha de árvore desse dia sem vento, o sorriso da jovem que de repente descobre que já não é adolescente e te pode esperar ao seu lado, nessa noite lisa, sem vento e prateada.
Todo este tempo a realidade limou as garras em ti mas tu não lhe sentes as marcas, envolto nessa ingenuidade tangível que construiste com o pó das garras que a realidade foi deixando em ti. Cicatrizas depressa, cais e levantas-te ainda mais depressa, sorris como se não soubesses chorar.
Tu, que tanto e tão bem choras, sorris e tocas a ausência, a presença, o mundo do qual e ao qual regressas com uma granítica e palpável certeza.
(Para os meus filhos T. e H.)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.