11.7.21

Bolina: uma vida

Os ingleses têm milhares de frases sobre a navegação. Todas incisivas, mas nenhuma tanto quanto a que diz "A gentleman doesn't sail windward". Traduzido à letra,  dá "Um cavalheiro não navega para barlavento". Por miúdos, fica "Um cavalheiro não navega à bolina". Sobre a bolina - a arte de navegar contra o vento, isto é: contra a energia que nos faz mover - os franceses têm um dito muito menos subtil: "Au près, deux fois le temps, trois fois la distance, quatre fois la rogne": "à bolina, duas vezes o tempo, três vezes a distância, quatro vezes a zanga".

A minha vida tem sido uma longa bolina, entremeada de gloriosos largos e relaxantes alhetas. Nada de muito diferente de todas as outras vidas, suponho, excepto que as minhas bolinas vão um bocadinho mais longe do que a média, tal como os largos são mais rápidos e as alhetas mais deslizantes, mais relaxantes. Tenho vivido com vento forte, é o que isto quer dizer, com algumas calmarias podres de permeio.

Os últimos anos foram a um largo, mas estou a arribar e não tarda ver-me-ei numa popa (alheta. Popas arrasadas não,  obrigado), em direcção a um porto. (Esse porto tem nome, já lá arribei algumas vezes, sei que será o meu último porto.)

Mas não era aqui que eu queria chegar. Era: um cavalheiro não bolina, mas a quantidade certa de bolina transforma o pior dos trogloditas num cavalheiro. (Tal como uma grande quantidade de popas transforma um cavalheiro num bárbaro, mas isso são rochas de outros mares).

PS - Glossário

  • Arribar - tem dois sentidos: 1 - afastar a proa da linha de vento; 2 - fazer escala (geralmente involuntária ou imprevista) num porto.
  • Alheta - a parte da embarcação que fica entre a popa e o través. 
  • A um largo - navegar com vento pelo través (de lado).
  • Popa arrasada: quando o vento vem exactamente da popa, isto é: faz um ângulo de 0º (ou 180º, para os puristas) com a linha-de-fé.

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