11.9.21

Diário de Bordos - Lisboa, 10-09-2021 / II

Melancólico e solitário jantar no Santa Marta, restaurante que não sendo bom nem mau - antes pelo contrário - tem várias vantagens e poucas desvantagens.

Penso nos vinte anos que me restam de vida - estatisticamente - e pergunto-me se serão iguais aos primeiros vinte. A minha vida uma curva de Gauss? Nunca tinha pensado nisso. Penso também numa «escola de felação para senhoras das classes média e alta» cuja ideia me ocorreu hoje à tarde. Teria êxito? Não posso dar aulas práticas porque nunca fiz nenhuma felação a ninguém, mas talvez pudesse orientar as senhoras alunas, baseado nas que já me fizeram. Não sei. Em Dunkerque a dona do bar do clube (náutico) perguntou-me se eu tinha experiência de bar, para me dar trabalho. Respondi-lhe: "Deste lado sim, muita. Desse não." Ela deu-me o trabalho e correu bem. Talvez com a escola de bicos acontecesse o mesmo, não? Talvez. Penso também na fantochada da Covid. Carmo Gomes, marionestista auto-apontado e malabarista apreciado começa a fazer marcha a ré. Oxalá não lhe caiam as bolas. Ou oxalá sim: não houvesse justiça esta gente pagaria o mal que fez. Mas há e não pagará. Sair-se-á airosamente do inferno em que enfiou o país e o meu estado de espírito, condenado a sonhar com escolas de broches, curvas de Gauss e os últimos vinte anos de vida, tudo isto admitidamente temas interessantes para opor à melancolia e apoiar a solidão. 

O empregado do restaurante percebe de vinhos e conversamos sobre o Porto que bebo, um vintage da Ramos Pinto. Quer vender-mo a seis euros, provo-o e ofereço-lhe três e meio, ficamos nos quatro. O vinho só precisava de arejar para ficar francamente bom e mesmo assim não é melhor do que um bom LBV, mas vá lá, salvou o jantar - um pica-pau decente mas não extraordinário - e o queijo, de Azeitão, agora numa caixa pronto para ser levado a domicílio. 

Não penso só nestas coisas, claro, mas fujo do risco de ser maçador e lembro-me do trajecto que me espera: subir pouco e fazer uma distância maior, subir muito e pedalar menos? Dilema constante na vida de um ciclista urbano, impossível de lhe escapar. Enfim, fossem todos os dilemas assim.

Decido que não quero ver a minha vida feita gaussiana. Da infância pouco recordo, mas por nada deste mundo reviveria a adolescência. Obrigado, Ramos Pinto.

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Acabei por subir a Duque de Loulé, não é assim tão difícil. Antevê-se sempre pior do que o que acontece na realidade, não é? É. O medo é uma droga que tanto pode ser doce como dura, tal qual outras coisas.

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A designação «Escola de felação para senhoras das classes média e alta» apresenta vários problemas: a) felação ou fellatio? b) Porquê só para senhoras? Muitos senhores apreciariam igualmente saber fazer bicos. c) Porquê só para classes média e alta? Os maridos das senhoras (e senhores) do povo também têm direitos, ou não? d) Quem pagaria o curso - as senhoras? Os maridos? «Olhe, se faz favor [ler com pronúncia de Cascais] o meu marido faz anos e quero oferecer-lhe um bom bico.» Ou: «A minha mulher morde-me todo quando me chupa o pénis. Gostava que vocês a ensinassem a não usar os dentes, ela não acredita em mim»?

A ideia parece-me pouco exequível e arrumo-a na gaveta das ideias à Braz: saborosas mas desfeitas. Sorte, porque entretanto chego à parte descendente do percurso e como a paisagem desfila mais depressa (e sozinha) tenho menos tempo para cozinhar fantasias.

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Olho retrospectivamente para o jantar e decido que o restaurante Santa Marta tem mais pontos positivos do que negativos. Há que repor a verdade e a justiça.

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Penso também nas vantagens da vida doméstica, sobretudo quando acoplada ao amor. São muitas, tantas que decido não pensar mais nelas e vivê-las, apenas. Uma e outro. São uma maravilha, quando andam juntos. Prémio Casal do ano? Não: casal da vida. O lado direito da curva andará por alturas que nem o centro sonhou.

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