26.6.22

Diário de Bordos - Santa Pola, Comunidad Valenciana, Espanha, 25 & 26-06-2022

Os milagres pagam-se caro. Quanto maiores ou mais inesperados são mais se fazem pagar. O marinheiro prudente (isto é simultaneamente um oxímoro e uma ironia) tem com o dinheiro a relação que a Lua tem com as marés: ora o atrai ora o repele. São é mais irregulares,  as marés financeiras do marinheiro. Por isso - também por isso - ele desconfia dos milagres.

Os quais, obra quase sempre de um mafarrico ou de um deus travestido, inventam outras formas de ser pagos. O de hoje - estou a quinze milhas (três quartos de hora) do porto onde vão instalar o piloto, ou seja: um dia e meio mais cedo do que o previsto - faz-se pagar com uma dor nas costas que só não me impede de respirar porque sou teimoso. De resto, tudo o que implique um movimento, mínimo que seja, está-me vedado. Ou pelo menos implica dores atrozes nas lombares. 

Fui à farmácia comprar um analgésico. Aparentemente, o uso do amuleto facial «nos estabelecimentos de saúde» continua a ser obrigatório, o que me valeu uma breve troca de palavras com a farmacêutica e que ela não considerasse sequer a possibilidade de me dar qualquer coisa que necessitasse de receita médica (o que me faz sentir um bocadinho estúpido, pois tenho um médico a bordo. Está é reformado).

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Felizmente o restaurante que fica mesmo à saída do pontão é bastante bom. Foi lá que almoçámos e jantámos. Ir mais longe teria sido um sacrifício absurdo: nem o melhor restaurante do mundo me teria feito andar mais um metro do queno estritamente necessário.

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Pedro Sanchéz aprovou agora um decreto que começa com «... a fim de paliar às consequências da guerra na Ucrânia» (a citação é de memória). Trata-se de distribuir apoios por causa da inflacção. Não somos o único país com um mentiroso patológico no governo.

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As duas ou três ruas de Santa Pola que vi até agora não são entusiasmantes. Prédios modernos, traçados rectilíneos. Vale a simpatia das pessoas - comparadas com os maiorquinos parecem uma espécie diferente - e não precisar de andar por elas (as ruas, quero dizer).

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Escrevo num café perto da marina, o único aberto a esta hora. A televisão está aos berros. Não há pior maneira de começar o dia: lombalgias, televisão aos gritos e mentiras. Ainda por cima a porcaria do café está cheia, não posso sequer sonhar em recorrer ao método habitual: pedir para baixar o volume de som.

Adenda: Hallelujah! Não foi preciso pedir. O empregado chegou, não sei se de motu proprio se por pedido de terceiro, à conclusão de que aquilo estava realmente insuportável. O café esvaziou-se e o som sobressaía ainda mais.

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Uma coisa que já tinha reparado ontem: aqui a única língua que se ouve na rua é espanhol (e por vezes valenciano, uma variante do catalão). Os menus não têm quarenta e duas línguas e salvo raras excepções as pessoas dirigem-se a mim em espanhol.  Os restaurantes são baratos.

Explicação: há pouquíssimos hotéis em Santa Pola. A maioria dos clientes das inúmeras empresas de day charter, motas de água, foras-de-borda «sem carta» são pessoas que ou têm casa aqui ou se juntam para alugar uma para as férias. 

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