Venho à Bodega Belver beber um palo. Garrot, claro. É o mais suave deles todos. Não sei o nome do dono. Nunca (salvo uma vez) o vi sequer sorrir. A Bodega Belver é um dos locais que resiste tenazmente ao cilindro igualador e esmagador da modernidade. Na porta tinha um aviso: "Não há tapas". Agora tiraram-no, mas suponho que continua a não haver. Só fazem pa amb oli (pronuncia-se pamboli, uma espécie de semi-sanduíche de que não sou grande adepto). O Garrot sabe-me bem, o sítio está praticamente vazio, mas vou-me embora rapidamente: tanto o dono como o empregado estão de máscara. Nenhum deles sorri, é verdade, são maiorquinos até à décima geração antes deles, mas já não aguento a estupidez.
Refiro-me a esta estupidez, note-se. Deve haver talhões ou divisões no cérebro das pessoas, uma espécie de tabuleiro de xadrez mas mais irregular, com quadrados inteligentes e quadrados estúpidos. A Covid não é um teste de inteligência «geral», por assim dizer. Aquilo escolhe uns talhões na massa cinzenta, engole sinapses, neurónios, neuro-transmissores, receptores e tudo aquilo que sustenta o raciocínio e pronto. Como não há incentivos para não expor esta forma particular de estupidez, ela anda aí pelas ruas, sem vergonha.
Questão de tempo, eu sei. Contudo, agora com o número de «casos» e (sem aspas) de hospitalizações a aumentar vertiginosa (mas não «exponencialmente», palavra que estranhamente desapareceu do léxico mediático), duvido muito que os quadrados com máscara cedam terreno aos outros.
Claro que para chegar aqui provocou dois anos de miséria. Como diz o meu cliente (que afinal só verei amanhã, porque perdeu o avião em Barcelona e devem estar cansados, ele e a mulher): restons positifs.
Se até uma socialista (de quem as más línguas não dizem coisas muito boas, ao contrário do que é habitual) reconhece, mais coisa menos coisa, que se enganou, há lugar para dar uma cadeira à esperança. Confortável, não vá o diabo tecê-las.
Passemos ao presente: a música é excelente, o jantar também (arancini, carpaccio de bresaola, boquerones fritos), os vinhos não ficam atrás de nada disto. Esta mania que a memória tem de que é a água tónica no gin do presente deve acabar.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.