13.11.22

Avenida da Memória

As palavras buscam, tacteiam. Como a bengala de um cego num passeio cheio de obstáculos. Apontam para ti, desvio-me a tempo; para A, B, C. Desvio-me de todas essas memórias, de todos esses olhares que, tocados pela bengala, ganham vida, ressuscitam, como se num antiquário entrasse um mágico que levasse cada um dos objectos à data em que foram feitos, rutilantes de novos. Olhares, mãos, peles. A memória é um filtro que me ajuda a caminhar por esta avenida. Automóveis passam velozmente. Oiço as vozes, os murmúrios, os pedidos: vai-te embora. Fica. Amo-te. Acabou. Volta. 

Palavras. Buscam um ouvido, as bocas que lhes deram forma, as mãos que lhes responderam. A avenida está bem iluminada. Ou seja: tem muitas sombras. Cada candeeiro faz três ou quatro delas, umas escondidas no recanto de uma parede outras bem visíveis, tangíveis, sólidas, de todas as cores.

As palavras e o tempo: pilares do templo onde vivemos - eu, as memórias, as palavras, a bengala que uma mão estranha maneja desajeitadamente. Essa mão é a da vida, irmã mais nova do tempo como as palavras são as irmãs mais velhas das peles, dos olhares. Relações familiares, frágeis, rompem-se a cada passo, reconstituem-se por vezes. Raramente. Tocadas pela memória, se e quando esta as vê, escondidas nos raros becos esconsos da avenida tão bem iluminada. Loja de antiguidades novas, loja de novidades velhas, lojas atrás de lojas. Caminho tacteando no escuro o teu amor. Caminho tacteando no escuro o meu futuro. Caminho, tacteando no escuro. Caminho. Tacteando. Em ti.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.