Ontem comprei um bloco-notas e uma esferográfica nua loja chamada Flying Tiger ou coisa que o valha. Já a conheço de Palma, entrei ali para comprar qualquer coisa um par de vezes. A de Lisboa é igual, naturalmente. Vendem de tudo e mais alguma coisa, desde que seja bricabraque e possa ser vendido a preços de bricabraque. Parecem versões bonitas, arejadas e limpas de lojas chinesas. De modo escrevo no meu novo bloco com a minha nova esferográfica, que não o é. É uma lapiseira. Não faz mal. A um euro perdoo-lhe a metamorfose, que de resto é apenas devida à minha falta de atenção. Bem me pareceu, mas como ligo pouco ao que me parece, sempre liguei, enganei-me. Acontece-me sempre que me esqueço de pensar no que me parece. É assim há muitos anos e será assim pelos que me restam. De pouco serve afligir-me.
Diga o que disser, preciso de três meses em qualquer sítio para conhecer as minhas redondezas. Hoje foi a vez de um talho chamado Edgar e Luís. Fui lá a conselho da supra-mencionada senhora da Mercearia Criativa. À primeira vista parece-me estar num talho suíço ou alemão. Não tenho a certeza de que a qualidade da carne supere em muito a do meu bem-amado talho O Naco, na rua dos Poiais de S. Bento, mas estou aberto a provas. A verdade é que está muito mais perto e só isso a um bom ponto a favor. Isto acontece-me em todo o lado: exploro as redondezas muito devagar, passo a passo, como um cego de bengala num passeio cheio de trotinetes. Tem vantagens e desvantagens, mas tem sobretudo uma característica já ali mencionada: não vai mudar. Não se pode dizer que já me tenha aceitado, mas uma coisa é certa: aprendi a viver comigo.
Só por isso, os sessenta e cinco anos que levo ao lombo valem o seu peso em ouro, incenso e mirra.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.