18.12.22

Diário de Bordos - Lisboa, 18-12-2022

Acordei tarde e com uma ligeiríssima Menière a chatear-me. Pequeno-almoço rápido, de pé na cozinha e viemos para o hipermercado fazer compras para um jantar que o A. dá logo à noite. Resultado: estou no café a beber imperiais, esperando que o Menière se vá embora e o A. me encontre, qualquer das duas coisas o mais depressa possível, senhor. Às vezes digo, meio na brincadeira, que sou um troglodita. Nestes supermercados vejo que não é meio na brincadeira: é totalmente a sério. Odeio estes espaços cheios de objectos que não identifico, pessoas que não conheço, vendedores sempre ocupados, barulhos cacofónicos, mulheres gordas e feias, com filhos birrentos pelas mãos, meios de pressão que não controlo.

Quando vou a uma mercearia e o homem põe mais do que aquilo que eu peço, digo-lhe educadamente para tirar o que está a mais e pronto, fica o assunto resolvido. Aqui não: tudo está feito para que um tipo compre o dobro do que precisa, desde a iluminação à cor das saias das empregadas.

Dêem-me mercearias de bairro, mercados municipais, a loja de ferragens do Luís, a livraria da Caroline ou da Ana. Em troca, prometo deixar de dizer meio na brincadeira e assumir, completamente a sério: sou um troglodita.

(A meu lado senta-se uma senhora que não é gorda nem feia e não tem crianças. Muito gosta a realidade de me desmascarar.)

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Uma relação é feita para que cada um dos dois (polis, só para o duche) possa ser o que é. É um encontro de liberdades. Se não se puder ser o que se é,  se se tiver de restringir a cada instante, deixa de ser uma relação. Não preciso sequer de invocar a minha idade: nenhuma é boa para se viver o que não se quer viver.

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Agradabilíssima cerveja à beira Tejo. No regresso passámos pelo meu SCARLETT, todo arranjado e bonito. Uma das viagens mais bonitas que fiz: trazê-lo de St. Malo para Lisboa, sozinho. Na Roca hesitei em seguir para as Canárias. Não o fiz e não perco muito tempo (não perco tempo nenhum) a perguntar-me como teria sido a minha vida se não tivesse entrado em Lisboa. Limito-me a vivê-la, às vezes a revivê-la e ficamos por aqui, querida vida. Prefiro uma vida vivida a mil imaginadas.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.