Partiu-se-me o que restava de um dente e penso no que me dizia uma dentista em Palma, há bem pouco tempo: "Pode estar contente, ainda tem todos os seus dentes". Aquilo não passava de uma mini-cratera da qual o chumbo interior (ou o que agora o substitui) já saltara há largos anos e nunca fora reposto por falta, precisamente, de chumbo. Da dentista em Palma a memória, qual tapete voador, traz-me a visão de uma dentista em Cascais, pequenina, com uma bonita e bem visível cruz de David pousada sobre os amplos peitos. A senhora era pequena, os coisos grandes e quando se debruçava sobre mim eu sentia-os na testa, leves como pombinhas amestradas.
Vai ser a senhora de Palma quem me dará o privilégio de andar por aí com um dente que não é meu. Se não for muito cara, claro. Isto vai ser tanto um exercício financeiro como dentário e de auto-imagem. O dente não sendo visível do exterior - excepto em caso de grande abertura de gueule, pouco provável - será preciso saber em quanto valorizo a minha imagem de mim vs. a massa que a dentista me vai pedir para me pôr massa na boca. (Imagem essa de mim que nem sequer é uma verdadeira imagem, pois a sua única fonte é a língua, mas passemos.)
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Os meus leitores habituais já terão percebido que este post não é sobre dentes ou dentistas. É sobre um facto singelo e triste da economia: os pobres pagam mais caro as coisas do que os ricos. Ou, dito de outro modo: a vida para os pobres custa mais, em termos tanto relativos - isto é óbvio - como absolutos do que custa aos ricos. Os pobres pagam mais as mesmas coisas do que quem tem guito. A pobreza é um imposto de que a malta endinheirada está isenta.
Se à pobreza se juntar a negligência nem se fala. A diferença fica estratosférica.
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