3.4.23

Talvez bis

O post ia chamar-se Talvez e era um diálogo entre um esperançado e um céptico. Abria com uma referência a Eliot ("Talvez Abril deixe de ser o mês mais cruel") e fechava com uma dupla acusação:

"- Talvez te enganes.
- Talvez te enganes."

Apaguei-o por engano e não tenho vontade de o reconstituir. Penso no Herberto Hélder de Os comboios que vão para Antuérpia: "Já me disseram que a gente que nasce e vive ao pé do mar é mais pura. Penso que o mar dá uma qualidade especial à fantasia, ao desejo e à confiança. É uma propriedade misteriosa do espírito, e por ela se aprende a nada esperar, a não desesperar de nada. Talvez seja isso a inocência. Talvez só no mar nos seja concedido morrer verdadeiramente, morrer como nenhum homem pode." Estou em terra e por isso não posso morrer verdadeiramente. Só me é permitida esta espécie de semi-morte (nos dias bons, que são poucos) ou semi-vida (nos outros, maus e muitos). Uma coisa, contudo, é certa: aprendi a não esperar e a não desesperar. Qualquer uma das duas personagens dialogantes do meu post (verdadeiramente morto, ele, pelo menos na sua forma escrita) pode ter razão e pode estar enganado. Talvez.

- Talvez Abril deixe de ser o mês mais cruel e passe a ser o da ressurreição.
- Há mais de um ano que vives de talvez e de quase, duas palavras que enganam muito.
- Sem talvez não encontrarias o caminho nem numa floresta que conheces bem.
- Talvez não põe comida na mesa, não paga rendas e não repara embarcações.

...

- Talvez te enganes.
- Talvez te enganes. 

"April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire ..."

(T. S. Eliot, The Waste Land)

(Dedico este post à MdP, uma daquelas pessoas perto de quem o desespero não passa de uma fingimento. )

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.