4.5.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 05-05-2023

Pouco a pouco, muito devagar, aterro. Isto de fazer manobras delicadas com mau tempo de todos os lados não é fácil. Por entre as nuvens alguns raios de sol espreitam. É neles que tento concentrar-me, mas esta estratégia tem limites: se não atentarmos aos temporais o mais provável é acabarmos nas pedras à entrada do porto. Estou em pleno acto de malabarismo emocional. Faço um bocadinho de terapia de retalho: hoje comprei uma Kaweco igual à que estupidamente perdi há poucos meses. E um bocadinho de terapia de mim: telefonei ao médico do Porto ver se me pode operar para a semana, ver se ponho o olho esquero a ver, finalmente. Exagero, claro, mas isso faz parte da terapia: pintar tudo negro e depois rodeá-lo com uma cinta de cor, como se estes dias se fossem um quadro de Rothko. Daqui a pouco vou jantar ao Jaume: faz parte da terapia. Tenho sorte: terapias não faltam. E tenho a maior delas todas: esta mistura de paciência e resiliência que me faz safar-me de todos os temporais, sejam eles reais ou... ou... ou o quê - Inventados? Metafóricos, estúpido. Metafóricos. Não é por isso que são menos reais.

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O meu P. avança devagar, ele também. Esta altura do ano é a pior: toda a gente está a preparar os barcos para o Verão e os fornecedores de serviços não têm mãos a medir. Preciso de toda a diplomacia, jeito e capacidade de persuasão para os conseguir ter a bordo. Até agora tive um a sério e meia dúzia de promessas. É como no rugby: quantos se transformarão em pontos? E sobretudo: quando?

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Jantar no Jaume: estava com vontade (não é o termo correcto: necessidade) de comer sobrasada. Sublime, claro. Compra Ferrerico, (como eu, três pancadas no peito) e ensinou-me que, ao contrário do que eu pensava, as dimensões das sobrasadas têm um impacto no sabor, porque quanto maiores são mais tempo levam de cura. A que comi hoje é a dimensão seguinte à sobrasada (não encontro o nome. Amanhã cá estará). [Adenda: Poltrú e afinal não é a categoria seguinte. Amanhã haverá pormenores.]

Dali vou procurar um sítio para beber uma piña colada (a que uma amiga chama pila coñada, no que para mim é o melhor trocadilho do século) e quase sem querer acabo no Lisboa (agora Novo Lisboa). Entrei porque estava vazio, devo dizer e espero lá voltar nas mesmas circunstâncias. O barman chama-se Adriano, é italiano, pensa que ter o povo no governo é um erro porque o roubo é inevitável («se eu lá estivesse e me chegasse um árabe e me dissesse "dou-te um milhão para isto" eu dar-lhe-ia o que ele me pediu, porque nunca tive um milhão na vida» e termina com a frase que me tocou mais: «Eu penso», diz, «que ser socialista é uma doença.» Mencionei-lhe o meu post de ontem e prometi-lhe que voltaria. Ainda por cima, as pilas coñadas estvam excelentes. Há muito tempo que não bebia um cocktail e estes vieram com tripla recompensa. A começar pelo nome do bar, que era uma referência em Palma até o socialismo fazer das suas. Talvez ainda seja, não sei. A verdade é que não gosto muito de Santa Catalina - com a óbvia excepção do Sete Machos - mas este gajo vai fazer-me mudar de opinião.

Descubro com espanto que dizer aquilo que penso da Armengol me traz mais amigos do que animosidades. A mulher está apostada em destruir Palma, mas não o fará sem resistência.

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No bar da Cantina está sentada uma senhora que tem um riso excessivo. É agordalhada e penso que hoje, ao ouvir outra com o mesmo, pensei que as senhoras gordas têm mais tendências para risos excessivos. Pergunto-me se será verdade ou se é coincidência.


(Cont.)

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