A calma regressou a Palma-a-calma, agora que o tsunami de turistas se foi e ficou só a vaga normal. A cidade vive, respira, vibra e se é verdade que por vezes alguns preços me provocam arrepios, sobressaltos e arrepanhar de cabelos é igualmente verdade que um Mount Gay - mesmo a onze euros! - é bem vindo, de vez em quando. Amanhã compro uma garrafa, custa pouco mais e fico com mais cabelos. Vá lá que pelo menos poupei no jantar, sempre equilibra as contas. Ai, P., P. os saltos sobre saltos que me fazes dar.
O dia acaba com o Köln Concert e um valente copo de hierbas secas a bordo, história de dissolver esta impaciência que me consome os dias. Sempre detestei os sábados e os domingos porque não vejo razão para o mundo parar quando eu preciso que ele avance mas pronto, está quase no fim e dá gozo ver a cidade assim e bebê-la, sobretudo, ao som desta música que tanto me fez amar. Dizem que tive uma vida do caraças e eu discordo (em primeiro lugar porque ainda não tive: tenho). Que sabem eles da D., que sabem eles das noites passadas a fazer amor a ouvir isto, que sabem eles daqueles meses em Dunkerque, que sabem eles da vida, da minha vida? O que lhes conto? Meu Deus, é tão pouco...
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As coisas para a saída do De Passagem precisam-se e devo deixar aqui um gigantesco obrigado ao J. O., que se ocupa da parte fotográfica da coisa. «Quatro coisas o interessavam: o mar, a luz, as palavras e as pessoas. O resto não passava de epifenómenos. Durante uma vida - ou várias - tentou misturar isto tudo», escrevi um dia. Pouco a pouco o puzzle completa-se, a mistura faz-se. (Devo aqui deixar também um agradecimento a uma senhora chamada Rita, cujo apelido não recordo, que foi a primeira a propor-me transvazar o DV para livro, usando essa frase como epígrafe. Disse-lhe que não, decisão que ainda hoje não sei se foi ou não correcta. Penso que sim, mas não tenho a certeza.)
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Keith Jarrett continua aos gritos, as hierbas vão baixando de nível, o domingo escoa-se tranquilamente. Amanhã o «meu» P. pega ao trabalho: os díodos do painel não estão bem, é preciso acabar a casa-de-banho e o traveller, maldito traveller, falar com o surveyor polaco, ir buscar a retranca, relançar o D. para que ele não adormeça noutro mega-iate qualquer, chatear o X. até ele me mudar a merda do Actisense, telefonar ao J. para o convencer de que não é preciso fazer mais buracos neste casco, telefonar à Blake & Sons a reforçar o e-mail... Este mês e meio de mar fez-me um bem inimaginável, mesmo que tenha tido custos inesperados no P., que gosta de me ter por perto. Olho para trás e pergunto-me como consegui passar aqueles anos todos longe do mar - e, sobretudo, o preço que paguei por eles. Sempre vivi do lado de fora de mim, é o que é.
E agora pareço um comboio a chegar a uma estação que não estava no programa, não é?
Agora?
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De Passagem vai ter um prefácio do António Cabrita, um posfácio do Manuel Monteiro e a crítica do João Rodrigues (se ele autorizar, ainda não lhe perguntei) na contracapa. Pense eu o que pensar de mim e do que escrevo, uma coisa é certa: nem toda a genta pensa o mesmo. Hallelujah.
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Quinta-feira estarei de novo em Genebra, ver os netos e passar o aniversário. O meu solipsismo parece uma câmara-de-ar furada.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.