Fui jantar ao Alga com o Pietro, um italiano que veio para Portugal com o Manuel Passanha em mil trezentos e pouco e por cá ficou desde então. É um excelente navegador mas está velhote e decidiu ficar a trabalhar em terra, numa dessas escolas cuja principal utilidade é fazer crer aos ingénuos que uma carta disto ou daquilo os habilita a navegar fora de uma banheira ou - nos casos da «carta de patrão de alto mar» (aspas porque cito) - do lago do Campo Grande.
- Nem para irem almoçar ao Seixal, Luís - dizia-me desesperado ainda antes da primeira garrafa de tinto. - Tenho mais confiança neles quando voltam grossos. Pelo menos esquecem a palermice da «segurança» e fazem asneiras sem se lembrarem da porcaria do colete de salvação.
Pietro tinha um asco profundo por tudo o que lhe cheirasse a estupidez e esse asco começava muito antes de o cheiro lhe chegar às narinas.
- Não digas «estupidez», Luís. É muito violento. Diz «acefalia». Pelo menos não percebem e pensam que é um elogio.
Salto a maior parte do jantar. Ele pediu um bitoque («Quanto mais simples a cozinha portuguesa é, melhor é») e eu lulas recheadas («que dirias, se em Itália eu só comesse pasta agli e olio?») Limito-me a reportar a parte mais interessante do diálogo, que como sempre com a malta do mar aparece quando as mulheres se intrometem nos temas.
- Não sei que fazer, Luís. Estou desesperado. Tento vender-lhes a cabeça e não querem, ofereço-lhes a pila e dizem que não chega. Vaffanculo!
- E se não as venderes separadas? Isto é, se propuseres as duas juntas talvez encontres uma que queira o conjunto.
- Stronzo! E que pensas tu que eu faço? Não consigo vender aquilo em que não acredito e para mim uma sem a outra não serve de nada. O problema é que elas só as vêem separadas, coglione!
A vantagem de pôr o Pietro a beber aguardente Mangusto é que deixa de ser preciso responder-lhe. Alberga dentro dele uma espécie de debate daqueles da televisão em que os «comentadores» competem para ver quem diz mais disparates em menos tempo. A única diferença é que o Pietro não diz disparates e leva muito tempo a não-dizê-los.
(Para a A. I., que assim não pode queixar-se de que nunca lhe dedico posts.)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.