21.10.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 21-10-2023

Palma tem muitas coisas em comum com Lisboa. Uma delas é esta atitude de stripper preguiçosa, lenta, milimétrica, a marimbar-se para quem a está a ver. «Dá tu o primeiro passo, querido», diz-nos. «E talvez eu desagrafe o primeiro agrafo do soutien.» Tudo isto cheira a despedida, eu sei. Tresanda, melhor dizendo. Hoje fui ao Pere Garau, aonde já não ia há demasiado tempo. Não sendo grande fã da burguesia de onde venho tão pouco o sou do clube «a verdade está na classe operária, nos imigrantes, nas respectivas misturas.» A verdade não está em lado nenhum e está em cada pessoa, não na classe social, país, raça, religião ou mariquice a que pertence. (É de resto é aqui que para mim monárquicos e esquerdistas se enganam, mas isso são contas de outro rosário.)

Bom, tudo isto para dizer que hoje fui ao Pere Garau. A desculpa próxima sendo comprar merguez e a afastada pensar que antes de deixar Palma por largos meses tenho de a calcorrear de novo, tal como o amante de partida percorre as memórias que tem da amada que vai deixar, sabendo que ainda a ama mas tem de ir e que o que tem de ser tem muita força e assim por diante.

Resumindo (a preguiça é o melhor aliado do escritor, aquilo que transforma uma logorreia numa coisa legível): descobri um palos melhor do que o Garrott. Não é só melhor, é infinitamente melhor. Chama-se Tunel e, diz-me a Martina, é o mais antigo da ilha. Descobri uma maiorquina atípica: chama-se Martina (não é coincidência), é a dona do Ca na Martina (ditto - Ca na significa «casa da») e hoje deu-me a provar palos sifonados (marca Tunel, quem comprou o sifón fui eu, no supermercado), favas com lulas, almôndegas e umas hierbas mezcladas que só ficam atrás das do Toni (???) da Pamboleria em Colonia de San Jordi porque não são secas. Mas porra, são excelentes! A Martina é uma senhora sorridente, simpática, comunicativa cujos pais, diz-me, já tinham um bar. Talvez haja duas categorias de maiorquinos: aqueles cujos pais tinham bares e os outros.

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Por falar em atípico: hoje vi a placa de um restaurante asiático. Dizia: «Restaurante Atípico Asia». Olhar para aquilo foi como entrar numa sala com ar condicionado num daqueles dias de quarenta garus do Zaire.

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- Estas hierbas são as primeiras que fiz - diz-me a Martina.
- Sim, claro. E eu sou a cobaia - respondo.
- És. Se te acontecer alguma coisa, já sabes: veio daqui.

(A Martina deve fazer hierbas desde antes de ter idade para as beber e a mim ainda está por acontecer seja o que for por bebê-las. Abençoados sejam os atípicos.)

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Volto para bordo com duas qualidades de merguez: as compradas no talho que já conhecia e que não são maravilhosas e as compradas num outro talho que me aconselharam. Estão em sacos separados. Logo vou compará-las, acompanhdas por um bom tinto. Há coisas em que sou pela fusão.

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O badanal veio, o badanal foi e o «meu» P. ficou. Só tive de folgar um bocadinho um dos lançantes de ré e um dos springs (que por sinal também está a ré). O mais importante - os muertos - estão sólidos. O que eu gostava de os largar para me ir embora não tem descrição, por muitas atípicas que me apareçam.

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