20.10.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 20-09-2023

Hoje tentei embebedar-me e (ainda, espero) não consegui. Não sei bem de quem é a culpa: se da carcaça, se do cerebelo (aquilo que em mim faz de cérebro), se - longe vá o agoiro - desta mistura de mim e do tempo, mistura essa que às vezes funciona e outras não, sem que eu consiga perceber como, porquê ou quando. Fui almoçar ao Es 20 de Bonaire (não tinham beringelas recheadas), voltei para bordo beber hierbas secas (V., temos de ir a Colonia de San Jordi) e que fiz da minha tarde? Trabalhei, em vez de beber ou dormir. Acho isto indecente e vou apresentar uma queixa à organização.

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Em Palma não há bons restaurantes indianos, já por aqui me tenho queixado disso. Dos que conheço o menos mau é o Jonny's Dhaba, aonde agora escrevo depois de comer um korma picante (!? - é a primeira vez que me propõem um korma picante.) Tão picante como medíocre - isto é, pouco - mas não me queixo. A verdade é que o Jonny's, como é afectuosamente conhecido, tem várias vantagens: a) é perto da marina; b) é barato; c) o homem é de uma simpatia inexcedível; d) a parte feminina da clientela (muito superior em número à «metade feminina etc.») está dentro da média de Palma, na sua franja superior - pode dizer-se que não é de espantar porque estamos em Santa Catalina e porque os yachties e porque e porque, mas essa é a verdade nua e crua. 

Enfim, nua e crua não é bem verdade e além disso há que ter presente um post infra sobre Balzac - a maioria das senhoras (aqui, hoje) está a pelo menos dez anos do tal patamar, de maneira são apenas alvo da minha desenfreada aptidão estética e não de outra qualquer. Antevejo porém com um gozo não dissimulado a sua (delas) ascensão a outro patamar, tendo eu, como tenho, esta capacidade de parar o tempo. Ou no tempo, não sei. Aliás, uma das mais bonitas está grávida. Vai ter de esperar alguns vinte anos, coitada.

PS - Disse vinte? Pelo menos trinta.

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O D. veio a bordo. Apresentámos o lazybag, ele fixou o lugar dos furos, voltámos a arrumar o coiso e eu pergunto-me se não será daí que vem esta necessidade de inundar o cerebelo de vinho tinto. É possível. Já imaginaram o que é ter uma retranca com um lazybag no sítio e só faltarer passar rizos, adriças, o cabo para a saia (como se diz outhaul?) e a escota? (Meu Deus, a escota... Isso vai ser outro par de mangas, passe o galicismo.)

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Quando eu era (ainda) mais adolescente do que sou hoje perguntava-me, cada vez que via um casal, «porquê ele e não eu?» Hoje já não faço essa pergunta - sei a resposta - mas continuo a pôr-me facilmente no lugar dos machos de alguns dos casais que vejo.

Salvo seja, claro.

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Depois do jantar venho ao Claudio. Quero ter a certeza de que aquele gelado de dulce de leche que comi no outro dia existe realmente e não resultou de um delírio, mais um... 

PS - Existe e, como de resto outras coisas, a segunda foi ainda melhor.

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PPPS - Noite das Igrejas. Em maiorquino fica La Nit de les Esglésies. Consiste em ter algumas igrejas iluminadas com velas. Foi o A. F. quem me falou nisto e como uma das igrejas fica ao lado do bar Rita vim ver. 

É preciso dizer que em Palma há mais igrejas do que eu tenho pólos brancos da Zara e que a mais feia, pequena e desinteressante delas é maior, mais bonita e mais atraente do que um lenço Hermés. Pois bem, a Església de la Mare de Déu dels Socors foi uma desilusão.  A minha ideia era ver uma igreja como a via quem a construiu e o que vi foi uma igreja alumiada com velas como num percurso turístico, com focos eléctricos à mistura. 

Acontece que esta igreja é uma das minhas favoritas porque concilia sobriedade (não tenho a certeza de que este seja o termo correcto) com a habitual grandeza e imponência das igrejas locais. Fico-me com uma hierbas mezcladas (não há secas) nesta praça, que é uma das provas de que Palma se incrustou tanto em mim como eu nela.

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