18.1.24

Diário de Bordos - Z'Abricots, Martinique, DOM-TOM França, 18-01-2024

O problema da velhice é saber quem manda na carcaça: ela ou eu? Saio do hospital a pensar nisto - isto sendo a minha relação com esta puta que vive do e para o meu dinheiro. Quando era miúdo - muito miúdo - tinha problemas com os dentes. E com o freio da língua. Vindo de Moçambique foi a vez do septo nasal, uma tortura que não estou perto de esquecer. Vim para a rua na Alexandre Herculano sem saber em que país estava, quanto mais cidade ou rua. A seguir, muitos anos depois, foi de novo o septo nasal, em Genebra. 

Enfim, não vou aqui fazer a lista das maleitas. A verdade é que até agora tinha a sensação de que, apesar de tudo, tinha um certo controle sobre elas. Hoje não tenho - nem controle nem certeza nem sensação nem nada. Quem manda é ela, a carcaça. Eu limito-me a segui-la e a tentar controlar os danos. Beber quando e o que me apetece, por exemplo. Também verdade seja dita que não há muito mais mal que lhe faça. Fumo pouco, como cada vez menos, durmo quase bem. De vida resta-me a bebida, como este rum que agora bebo depois de uma série deles no vizinho, o idiota que afinal é um gajo porreiro sobretudo quando se esquece de que é um gajo porreiro.

Oiço Lou Reed - Rock and Roll Animal não é o seu melhor disco. Esse é Magic and Loss, seguido de Songs for Drella. Os outros vêm depois - bebo rum (um pouco mais do que devia, mas agora é tarde), penso nesta relação torcida que tenho com o corpo, daí vou para os corpos e logo a seguir para as mentes e penso que não sei qual a relação que tenho com a minha. Como se a minha mente e eu fôssemos a mesma pessoa, contrariamente ao corpo e eu, que somos dois.

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Como Janeiro: estamos a dezoito. Ainda ontem foi o ano novo, como a operação que foi ontem também. Ccomo se o tempo e eu fôssemos entidades diferentes, correndo cada um à sua velocidade.

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A única vantagem de se beber muito é que - eventualmente, talvez, quiçá - se dorme melhor. Isto é,
dorme-se.

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Os homens deviam ser medidos não pela altura ou pela força física, mas pela capacidade de viverem sozinhos. Quanto mais sozinho mais homem? Ou ao contrário, quanto menos mais?

Não sei. Não tenho resposta a essas afirmações.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.