As surpresas estão aonde menos se espera. Venho ao mercado do Marin. É um mercado pequenino e uma grande armadilha para turistas, mas gosto-lhe do cheiro e das cores - mesmo em dias como o de hoje, em que a luz não está grande coisa (e muda de cinco em cinco minutos).
Entro por uma das entradas laterais e vejo um senhor a vender abricots (nada a ver com os abricots europeus, que não passam de pêssegos). Não conheço a fruta e compro uma, que ele abre para eu provar. Conversamos um pouco e de chifre pergunta-me - ou melhor, diz-me:
- És português?! És pedreiro?
O homem é martiniquês e vende "abricots" e água de coco a um preço exorbitante, é certo. Mas daí a identificar o meu sotaque em poucos minutos surpreende-me.
Continua:
- Só trabalho com portugueses.
Perante o meu ar interrogativo, clarifica:
- Quando preciso de fazer obras nas casas. Tenho dois apartamentos que alugo a turistas e quando preciso de fazer qualquer coisa neles só chamo os portugueses.
Fico assim a saber que há pedreiros lusos aqui. E que um tipo que vende fruta no mercado é dono de dois apartamentos.
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Surpresa suplementar: o senhor do Bon Boudin está cá e tem a loja aberta. Enganou-se no nome: devia ser «Le Meilleur Boudin». Estaria ainda mais perto da verdade.
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Mais: a senhora que vende bijuteria artesanal é portuguesa. Está cá "há dezasseis anos. Já sabia que você é português".
-Sabia? Como?
Aponta para trás, para uma pessoa que não identifico e acrescenta:
- A Leila (?) disse-me. Sou amiga dela."
Não sei de todo quem seja a Leila (?). Hoje deve ser o primeira vez em todos estes anos que falo com alguém que não a Sandrine do A la Maison e o senhor do Bon Boudin para mais do que "quero isto ou aquilo, por favor". Ou seja: o sotaque português é bem conhecido aqui. Não fazia a menor ideia
Nós marinheiros vivemos nas margens. "Noutro planeta", como me disse um dia a minha filha H. Vivemos nas costas da terra, tenha este terra todos os significados que a forma permite.
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