30.3.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 30-03-2024

«Vastas emoções e pensamentos imperfeitos» é o título de um romance de Rubem Fonseca. A maioria dos meus leitores conhecê-lo-á: o livro é uma maravilha. Quem não conheça que se despache: ler por ler, antes o Rubem do que eu.

Tudo isto porque esse título seria o ideal para cada uma das minhas chegadas a Palma. Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Desta vez, poderia ser até vastíssimas emoções: fui ver a procissão do Santísimo Cristo de la Sangre, a estátua religiosa mais venerada de Palma. A procissão é enorme, dura toda a noite (vim-me embora mal passaram os primeiros participantes). As ruas estavam pejadas de gente e a gravitas, a beleza daquilo eram impressionantes. Comovente, mesmo para um ateu como eu. É inútil elaborar muito: não é difícil perceber que a fé é uma coisa e a estética, os sentimentos, a razão, a emoção outras, diferentes. Como a história, de resto: é pouco provável que me tivesse comovido às lágrimas com uma cerimónia voodoo, por exemplo, como aconteceu com esta.

O objectivo primário, contudo, foi fazer fotografias. Não ficaram grande coisa: esqueci-me de levar o flash, puxei a sensibilidade a oito mil ASA e claro, estão cheias de grão. Ficam para memória e para a net.

Como sempre, fiz a minha procissão palmitana: Fidel, Xisco, Myniones, François, Misse en Place – a Daniela já não está lá, mas as miúdas que a substituíram são giras e simpáticas e o lugar continua a merecer lugar de destaque. Voltei à Vermutería San Jaime e comecei a frequentar o Corb Mari com mais frequência e com menos complexo de culpa. Creio que a chegada da Brigitta (a mulher do Pepe) provocou mudanças de uma escala tectónica naquilo (ou nisto, é aonde escrevo agora).

O problema é que passadas as emoções chegam os pensamentos e esses estão longe de ser tão perfeitos. Fico feliz com a ideia de que vou passar o Verão aqui, sem dúvida. Mais do que isso, não sei. Isto é, não sei se ficaria feliz, porque sei de certeza que não passarei o Inverno em Palma.

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Falemos do tempo: badanal atrás de badanal. Continuo a gostar de dormir com vinte quilos de cobertores em cima. Apreciei bastante o frio quando cheguei. Agora estou menos seguro.

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Falemos de bicicletas: a BH Glasgow é decididamente a melhor bicicleta em que me foi dado deslocar-me. Nela, pedalar e flutuar tornam-se sinónimos. Possa esta felicidade durar para sempre. (Já passo imenso tempo a pensar como vou levá-la para Portugal...)

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Falemos do «meu» P.: ... ... ...

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Falemos de navegar: se me apanho a sair da Martinica não acredito; a chegar a St. Martin, ainda menos; a largar de St. Martin? Miragem. Chegar a Ponta Delgada? Milagre. Atracar em Lisboa: será que Deus existe?

Não percebo de onde me vem esta necessidade de ir para as «partes aquosas» do planeta  mas não tenciono perder muito tempo com o tema. As coisas são como são e eu como sou. (Ainda percebo menos porque lhe resisto tanto, mas isso é outra história.)

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Falemos de Portugal: como é que um país tão bom de se viver pode ter coisas tão horríveis de viver? Como e que um povo tão bom, hospitaleiro, aberto pode ser tão cobarde, tão pequenino, tão invejoso? Como fazer, para beneficiar só daquilo que é bom e não contactar com o que é mau (sem ser rico e estrangeiro, claro)? Como explicar a um português que as decisões não se devem empurrar com a barriga até deixarmos de ser nós a tomá-las e sim elas a tomar-se a si próprias?

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