11.3.24

Falcatruas

Até amanhã, camaradas. O nosso tempo passou. Era ontem. Hoje a música é outra. Talvez a nossa volte amanhã, quem sabe? É pouco provável. O tempo anda às voltas, é verdade, mas essas voltas não se sobrepôem. Fazem uma espiral. Há quem pense que essa espiral sobe e quem diga o contrário: desce. Eu penso que ora sobe ora desce, como um pêndulo um bocadinho estonteado. Nem a gravidade consegue controlá-lo. O trajecto é uma mistura de gravidade, acaso, amor, dinheiro, ganância, engano, erro, incompetência, sonhos. O acaso é isso tudo posto numa misturadora. Não há maneira de o controlar, por muito que se ponha o peso numa das componentes. São como sabonetes, todas elas: pressionas e ela escapa-se. Já viste o que seria um futuro feito de sonhos? Ou de ganância? De incompetência?

Deixa o futuro em paz, homem. Entretém-te com o passado, finta o presente, chuta à baliza que não sabes aonde está. Talvez a bola a encontre, talvez não. O pêndulo. A espiral. Agarra as palavras como a Chavela Vargas agora faz, parece um guarda-redes a defender uma bola particularmente difícil, agarra-a contra o peito deitado no chão. E no último segundo a bola sai-lhe das mão e entra na baliza. As palavras encontram sempre o seu caminho, por muito bom que seja o guarda-redes. Até amanhã camaradas. O tempo passou. Não nos resta mais do que a memória, essa falcatrua.

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