Sempre fui distraído. Deixo tudo em todo o lado, esqueço-me da roupa suja quando saio para a lavandaria, dos óculos, da carteira, do telefone. Esta incapacidade de viver o momento é misteriosa. Porém, algo hoje me intriga mais do que no passado: fico muito mais triste e zangado, furioso comigo, quando me esqueço de qualquer coisa do que ficava dantes. Hipóteses:
1 - Sempre fiquei tão zangado como agora fico e não me lembro;
2 - Esqueço-me mais vezes ou de coisas mais importantes;
3 - A velhice é menos tolerante do que a juventude.
Vou pôr estas hipóteses à prova, se bem nenhuma seja passível de alguma experiência empírica. Só o método dedutivo-analítico funcionará.
Se até lá não me esquecer, claro.
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ADENDA
Para esquecer os esquecimentos (desta vez o saco dos cabos e carregadores) levanto-me com o objectivo de ir ao 7 Machos beber uma margarita. A meio do caminho vem-me o bar Lisboa à memória, penso "Que bom! Afinal ainda me lembro de algumas coisas" e paro aqui para uma piña colada (no meu caso, pila desconada, mas passemos). Já não são os mesmos e a "pila conada" (aspas porque cito) é demasiado doce e cheia de gelo - que não passa de água, como toda a gente sabe. A música tão pouco é grande coisa e decido esquecer-me da carrer de Sant Magí, apesar da beleza da parte feminina da clientela. A do 7 Machos também é bonita, a música mais suportável e porra, penso eu, se aos trinta não ligava a ponta de um chavelho a estas coisas porque raio ligo agora? Nessa altura pensava que lhes faltava qualquer coisa e agora dou graças a Deus por lhes faltar qualquer coisa e vai daí perco-me pelos carreiros, caminhos e atalhos do pensamento e da memória - andam sempre juntos, como as autoestradas e as estradas "alternativas" e decido que o mau gosto tem limites, pago e vou setemachar, neologismo adequado para quem só não se esquece da cabeça por causa do pescoço.
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A margarita do Alex é melhor margarita do que a piña colada do outro é piña colada, a música melhor e com um volume mais aceitável, o bom gosto mais presente e o mau ausente e apercebo-me de que por vezes é bom esquecermo-nos do que é bom para sabermos (ou confirmarmos) o que é bom.
Termino a noite com um mezcal, bebida que - toda a gente sabe - tem propriedades mágicas, dr entre as quais a menos importante não é seguramente fazer-nos esquecer aquilo que o esquecimento se esquece de nos fazer esquecer.
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A noite recompõe-se. À margarita seguiu-se um mezcal, a este uma tequila de vinte e três anos (oferta da casa, mas prefiro o mezcal), o Alex faz-me de novo pagar um preço do qual me envergonho (ma non troppo), estou pronto a apostar que a BH Glasgow Vintage me levará direitinho a casa.
Estou igualmente pronto a apostar que o sono estará à espera da bicicleta mal ela chegue a bordo. Abençoada burra.
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Ganhei a primeira aposta. Agora só preciso de não adquirir o hábito de apostar.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.